Arquidiocese de Braga -

29 novembro 2025

Juntos, servidores criativos, no caminho de Páscoa - Levar todos a Jesus

Fotografia DACS

Caríssimos irmãos e irmãs, Peregrinos de Esperança, em busca do sentido da vida plena em Jesus Cristo. 

Escrevo esta Carta Pastoral ao iniciarmos o novo Ano Litúrgico e Pastoral 2025/2026, no tom esperançoso do Ano Santo Jubilar, em que esta Graça se manifestou de muitos e variados modos. 

Permiti que destaque alguns sinais vivos de esperança: a adoração eucarística nas comunidades cristãs em todos os dias do ano, concretizando as conclusões do 5.º Congresso Eucarístico Nacional; a peregrinação jubilar dos 13 Arciprestados à Sé Primaz; o Jubileu dos Jovens em Roma; a Visita Pastoral; os Conselhos Pastorais Paroquiais ou da Unidade Pastoral, como espaços de corresponsabilidade eclesial diferenciada em sinergia, onde “o todo é maior que a soma das partes”; a promissora segunda edição do Renovar, um providencial laboratório de discernimento sinodal; a reconfiguração da Pastoral das Vocações; mais igrejas abertas; a formação integral, contínua e partilhada com leigos, clero e consagrados para a missão em chave sinodal; a formação dos agentes pastorais “prevenir+proteger=servir” nos Arciprestados sobre a prevenção e a cultura do cuidado, para combater todo o tipo de abuso; o início da preparação de um grupo de candidatos ao Diaconado Permanente; a instituição de leigas no ministério de leitor, acólito e catequista; o serviço da Cáritas, das Santas Casas da Misericórdia, dos Centros Sociais Paroquiais e de tantas outras obras católicas; os processos da cultura da transparência com a prestação de contas e avaliação, não só dos bens económicos, mas da missão pastoral.

Começo pela questão fundamental: como criar um estilo de comunidade centrada em Jesus Cristo? 

No documento final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos – “Para uma Igreja sinodal: comunhão participação, missão”, afirma-se claramente: «A Igreja existe para testemunhar ao mundo o acontecimento decisivo da história: a ressurreição de Jesus. O Ressuscitado traz a paz ao mundo e dá-nos o dom do seu Espírito. Cristo vivo é a fonte da verdadeira liberdade, o fundamento da esperança que não engana, a revelação do verdadeiro rosto de Deus e o destino último do homem» (n.º 14). Num horizonte de esperança e de compromisso renovado, desejamos, e na comunhão com o Papa Leão XIV, que «a sinodalidade se deve tornar mentalidade, no coração, nos processos de decisão e nos modos de agir». 

O processo sinodal exige que a sua implementação continue sem hesitação. Continuamos juntos no caminho de Páscoa e porque a ressurreição de Jesus Cristo é maior novidade da história, salientamos este ano o desafio de levar todos a Jesus com os novos trilhos da Participação ativa e criativa, bem como o Serviço e o acolhimento a todos.

Cada pessoa e cada comunidade tem direito ao encontro com Jesus Cristo e ao anúncio do Evangelho. Na verdade, «o Evangelho não envelhece, mas faz “novas todas as coisas” (Ap 21,5). Cada geração o escuta como novidade que regenera. Cada geração é responsável do Evangelho e da descoberta do seu poder seminal e multiplicador» (Papa Leão XIV).

Manifesto entusiasmo e alegria no anúncio do Evangelho?
 

1. Levar todos a Jesus

No caminho de Páscoa, somos chamados a renovar a espiritualidade pascal. Somos um povo de Páscoa. Juntos no caminho de Páscoa, para levar Jesus a todos e todos a Jesus, somos sempre mais desafiados à conversão pessoal, pastoral e missionária. 

Verdadeiramente, conforme escreveu o teólogo Henri De Lubac, nas suas meditações sobre a Igreja: «A Igreja, toda a Igreja, só a Igreja, a de hoje como a de ontem e de amanhã, é o sacramento de Jesus Cristo. Para dizer a verdade, ela não é outra coisa que isto. O resto é apenas um mais. (…) A Igreja tem por única missão tornar presente Jesus Cristo no meio dos homens. Deve anunciá-lo, mostrá-lo, dá-lo a todos. O resto, voltamos a repetir, é só um mais».

A Igreja é mãe e mestra, gerando e educando para a fé, esperança e caridade: «até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao homem adulto, à medida completa da plenitude de Cristo» (Ef 4, 13). Além disso, a Igreja fiel ao Evangelho está sempre em renovação – ecclesia semper reformanda, repetiam e continuam a repetir todos os que aceitam o singular desafio da conversão pessoal, pastoral, sinodal e missionária.

Portanto, a santidade na nossa vida encontra o seu dinamismo nesta exortação paulina: «Por isso, vos exorto, irmãos, pela misericórdia de Deus, a que ofereçais os vossos corpos como sacrifício vivo, santo, agradável a Deus. Seja este o vosso verdadeiro culto, o espiritual. Não vos acomodeis a este mundo. Pelo contrário, deixai-vos transformar, adquirindo uma nova mentalidade, para poderdes discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que lhe é agradável, o que é perfeito» (Rm 12, 1-2). Este programa de vida é caminho pascal de renovação.

Quando se decide renovar, no início, há uma sensação de insegurança causada pelas mudanças que o novo traz. Todavia, na vida pastoral e espiritual não pode haver temor: «faço novas todas as coisas» (Ap 21, 5). Deus é a novidade perene.

Um grupo de sacerdotes e leigos franceses escreveu um guia prático e apaixonado para paróquias transformadas, com o título esperançoso e comprometido: Mudar.  Neste livro, concluem: «para mudar, é necessário fazer escolhas. Não basta sonhar a mudança. É preciso passar à ação – é preciso tomar uma decisão». E, ao proporem uma aplicação prática e comprovada do processo de transformação pastoral, constatam: «de modo geral, por causa do período de cristandade que nos precedeu, só sabemos ocupar-nos bem do primeiro domínio (os praticantes: família, discípulos, discípulos-servos e discípulos missionários). Frente à multidão (os não-praticantes) e ao mundo (os não-cristãos) somos muito carenciados e inexperientes» (Luc Pialoux). 

Com humildade advertimos: “não estamos à procura de um modelo uniforme”. A sinodalidade não vem com um manual onde todos devem fazer o mesmo. O que se pede “é uma conversão do coração, ou seja, que aprendamos a ser Igreja com os outros, a partir da realidade concreta de cada comunidade”. Esta visão reforça a ideia de que a unidade não é uniformidade, mas comunhão na diversidade, um dos sinais mais belos da presença do Espírito Santo.

Contudo, hoje, soa ainda a voz do mensageiro celestial na manhã de Páscoa: «... procurais Jesus de Nazaré, o crucificado. Ressuscitou. Não está aqui. (...) Ele vai à vossa frente para a Galileia» (Mc 16, 6-7). Em boa verdade, «“Não está aqui”. A perda do que se tinha como claro e seguro poderá ser passagem pascal, talvez longa, talvez dolorosa, talvez incerta, para outra inteligência das coisas, para novo calor no coração, para outros encontros à mesa» (José Frazão Correia, SJ).

Por isso, fomos convocados pelo Papa Francisco a chamar sem medo: «o mundo não o sabe ainda, mas todos estão convidados para o banquete das núpcias do Cordeiro (Ap 19, 9). Para ter acesso a ele só precisa da veste nupcial da fé que vem da escuta da sua Palavra (cf. Rm 10, 17): a Igreja prepara-a à medida com a alvura de um tecido lavado no Sangue do Cordeiro (cf. Ap 7, 14). Não deveríamos ter um instante sequer de repouso, sabendo que nem todos ainda receberam o convite para a Ceia ou que outros o esqueceram ou perderam nas sendas tortuosas da vida dos homens. Por isso disse que “sonho com uma opção missionária capaz de transformar todas as coisas, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e qualquer estrutura eclesial se tornem um canal adequado para a evangelização do mundo atual, mais do que para a auto preservação” (Evangelii gaudium, n. 27): para que todos se possam sentar à Ceia do sacrifício do Cordeiro e d’Ele viver» (Desiderio Desideravi, 4).

Deste modo, assumimos o tom de esperança e renovação, mesmo em tempos de desolação, para uma ação pastoral animada pela esperança. A missão evangelizadora está em seguir Jesus Cristo na conversão contínua.

E, interrogava um jovem da nossa Arquidiocese, o venerável Bernardo de Vasconcelos (1902-1932): «conheces a “vida viva” / que nem a morte cativa?», para depois confessar na hora da morte – isto é, na conclusão terrena do caminho de Páscoa – : «Jesus, Jesus, sou todo de Jesus». Todos os dias são dias de Páscoa e neles somos chamados a testemunhar o Evangelho.

Na verdade, «se, de facto, o escutastes e nele fostes instruídos conforme a verdade que está em Jesus, aprendestes que, tendo em conta a vossa conduta de outrora, vos devíeis despir do Homem velho, corrompido por desejos enganadores, renovar-vos pelo Espírito que anima a vossa mente, e revestir-vos do Homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, que são próprias da verdade» (Ef 4, 21-24).

Contudo, não esqueçamos, como dizia o São Henry Newman, proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Leão XIV no passado dia 1 de novembro, solenidade de Todos os Santos: «viver é mudar, e ser perfeito é ter mudado muitas vezes». Renovar é missão de esperança. Por isso, caminhemos juntos para experimentar sem medo, formando-nos cada vez mais, recuperando o sentido da Iniciação Cristã.

2 . Participação ativa e criativa

Estamos a percorrer o caminho de Páscoa com os trilhos da conversão ao Evangelho e da oração e vida espiritual, e propomo-nos continuar com dois novos trilhos: participação ativa e criativa e servir e acolher a todos. Para criar é preciso acreditar. Então, arrisquemos recomeçar o que merece ser continuado.

Participação é um termo recorrente na Liturgia atual e na ação pastoral, que significa tomar parte, e é sinónimo de adesão e intervenção. É uma expressão tão usada que até parece mesmo o mote da reforma litúrgica, qualificada com vários adjetivos: plena, consciente, ativa, criativa, piedosa, fácil, interna, externa.

Ser participante, enquanto ação humana, implica atitudes externas e hábitos interiores. Uns e outros são, por sua vez, suscetíveis de gradualidade e de modalidades diferentes, todas orientadas para uma finalidade ou meta da ação participada, isto é, a própria celebração litúrgica. 

Aquilo em que se participa na Liturgia é o mistério que se celebra, sob a forma de memorial. Participar na celebração significa transcender e ultrapassar o âmbito meramente semântico-ritualista para penetrar no coração da ação litúrgica. A participação externa é apenas o primeiro estádio da participação na celebração, que é simultaneamente subjetiva e objetiva. A fusão destes dois tipos de participação é um ideal para o qual a pastoral e a espiritualidade litúrgicas se orientam.

Os participantes são as pessoas fiéis, que se tornam atores e ministros da própria celebração. Participa-se, numa celebração, quando as pessoas estão envolvidas e interagem entre elas diante do mistério das três pessoas da Santíssima Trindade. Neste sentido, São João Paulo II afirmou: «a finalidade definitiva da catequese é a de fazer que alguém se ponha, não apenas em contacto, mas em comunhão, em intimidade com Jesus Cristo: somente Ele pode levar ao amor do Pai no Espírito e fazer-nos participar na vida da Santíssima Trindade» (Catechesi Tradendae, 5).

A participação é, portanto, um direito e um dever. A participação nas ações litúrgicas não é algo de extrínseco ou de acessório, mas faz parte da própria natureza da Liturgia, que é ação de todo o povo de Deus. Por outro lado, esta participação pertence ao carácter batismal dos fiéis.

Também eu gostaria que esta carta, tal como o Papa Francisco nos enunciou na carta apostólica Desiderio desideravi, sobre a formação litúrgica do Povo de Deus, «nos ajudasse a reavivar o assombro pela beleza da verdade do celebrar cristão, a recordar a necessidade de uma formação litúrgica autêntica e a reconhecer a importância de uma arte da celebração que esteja ao serviço da verdade do mistério pascal e da participação de todos os batizados, cada qual com a especificidade da sua vocação. Toda esta riqueza não está longe de nós: está nas nossas igrejas, nas nossas festas cristãs, na centralidade do domingo, na força dos sacramentos que celebramos. A vida cristã é um contínuo caminho de crescimento: somos chamados a deixar-nos formar com alegria e na comunhão» (n.º 62).

Segundo a doutrina conciliar, toda a Igreja é sujeito da ação ritual. De facto, na celebração litúrgica realiza-se a principal manifestação da Igreja. E isto acontece «numa participação perfeita e ativa de todo o povo santo de Deus» (Sacrosanctum Concilium, 41). A participação ativa não consiste apenas na atividade externa, mas numa participação interior e espiritual, viva e frutuosa no mistério de Cristo. A Liturgia exprime, por isso, plenamente, tanto a função comum dos batizados, o seu sacerdócio batismal, como a função dos ministros ordenados, a sacramentalidade própria do seu ser, bispo, presbíteros e diáconos. 

É justificada uma saudável e construtiva criatividade. Claro que a participação ativa e criativa não se esgota na Liturgia, mas a celebração da fé é a manifestação mais visível da Igreja. Em todas as dimensões da evangelização somos convocados à ousadia da fidelidade criativa. Sim, «a nós especialmente, Pastores da Igreja, incumbe o cuidado de remodelar com ousadia e com prudência e numa fidelidade total ao seu conteúdo, os processos, tornando-os o mais possível adaptados e eficazes, para comunicar a mensagem evangélica aos homens do nosso tempo» (Evangelii Nuntiandi, 40). Contudo, não se confunda criatividade com improviso.

Para nós, cristãos mornos, escreveu Charles Peguy: «De um pecador pode-se fazer um santo / de um pagão pode-se fazer um cristão, / mas daqueles que não são nada, / nem pecadores nem santos, / nem cristãos nem pagãos, / nem quentes nem frios, / dos mortos-vivos, que faremos?»

A comunicação da esperança precisa de silêncio criativo, de oração, de coragem, de proximidade, de hospitalidade e de autenticidade.

Para que a Igreja seja sinal de Páscoa, Santo Agostinho recorda que todos somos hóspedes: «reconhecei a hospitalidade, pois é por ela que alguém chegou a Deus. Recebes um hóspede, de quem também tu és companheiro no caminho, porque todos somos peregrinos. O cristão é aquele que reconhece que é peregrino não só na sua casa, como também na sua pátria. A nossa pátria está nos céus, aí é que nós não seremos hóspedes» (Sermão 111).

O serviço e a criatividade na missão são indispensáveis. Não se perca o que já construímos, mas que se multiplique. Tenhamos, então, ânimo para investir na fragilidade dos sonhos e na fidelidade criativa. Um teólogo afirmou: «os caminhos de autêntica fidelidade são sempre, necessariamente, caminhos de sábia criatividade» (Edward Schillebeeckx).

Este é o convite à coragem de uma conversão progressiva, para crescer e viver em Jesus Cristo, de batizados a cristãos adultos na fé. Deus está atento às nossas lágrimas e aos nossos sorrisos. Por isso, Lhe suplicamos: «pois que tudo renovais, / renovai as nossas forças / na paixão de Vos servir» (Hino da Liturgia das Horas).

Tudo isto nos conduz naturalmente ao segundo trilho que somos chamados a percorrer: o serviço humilde e o acolhimento fraterno como expressão concreta da Páscoa no quotidiano das nossas comunidades.
 

3. Servir e acolher a todos

São João, o Evangelista, atribui expressamente ao lava-pés realizado por Jesus o significado da humildade a imitar pelos discípulos (cf. Jo, 12-13). A narração da última ceia ligada ao lava-pés encontra-se apenas no evangelho de João. Todavia, o contexto da última ceia e o sublinhar do exemplo de humildade e de amor serviçal dado por Jesus remetem-nos ao evangelho de Lucas e à exortação do próprio Jesus acerca do poder e do serviço: «Levantou-se entre eles uma discussão sobre qual deles devia ser considerado o maior. Jesus disse-lhes: “Os reis das nações imperam sobre elas e os que nelas exercem a autoridade são chamados benfeitores. Convosco, não deve ser assim; o que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve. Pois, quem é maior: o que está sentado à mesa, ou o que serve? Não é o que está sentado à mesa? Ora, Eu estou no meio de vós como aquele que serve”» (Lc 22, 24-27).

O serviço é humilde, mas o fundamento de tudo é o amor: «Ele, que amara os seus que estavam no mundo, levou o seu amor por eles até ao extremo». E, logo a seguir, Jesus deixa o mandamento novo: «é este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei» (Jo 15, 12).

Bento XVI, ao comentar este texto, escreveu: «com a última ceia, chegou a “hora” de Jesus, para a qual se orientava a sua atividade desde o princípio (cf. Jo 2,4). O essencial desta hora é delineado por João com duas palavras fundamentais: é a “hora da passagem” (metabaínein – metábasis); é a hora do amor (agápe) “até ao fim”», e acrescenta: «a “hora” de Jesus é a hora da grande “passagem para mais além”, da transformação, e esta metaformose do ser realiza-se através da agápe. É uma agápe “até ao fim” – expressão esta com que João, neste ponto, remete de antemão para a última palavra do Crucificado: “Tudo está consumado – tetélestai (Jo 19,30). Este fim (télos), esta totalidade da doação, da metamorfose de todo o ser é precisamente o dar-se a si mesmo até à morte». O lava-pés não é, com efeito, «um sacramento particular, mas significa a totalidade do serviço salvífico de Jesus: o sacramentum do seu amor, no qual Ele nos imerge na fé e que é o verdadeiro lavacro de purificação do homem» (Jesus de Nazaré, vol. 2, Lisboa, 2011).

O Irmão Marista Henri Vergès, assassinado com a Ir. Paul-Hélène em Argel em 1994, escreveu: «ser transparência ao Evangelho, transparência do Evangelho. Ser um grão escondido na terra dos homens, onde possa manifestar-se o fermento do Evangelho. Deixar-me transformar cada dia um pouco mais pela Palavra viva do Evangelho: não deixar que o seu gume enfraqueça na rotina, na distração e na instalação do conforto. Que ela possa, sem cessar, fazer surgir em mim o homem novo. Ser sempre mais palavra do Evangelho». A mesma profundidade de entrega e confiança é dada pela Ir. Esther, Missionária Agostiniana, assassinada com a Ir. Caridad a caminho da Eucaristia: «ninguém pode tirar-nos a vida, porque já a entregamos. Nada nos pode acontecer, visto estarmos nas mãos de Deus. E se alguma coisa nos acontecer, estamos ainda nas mãos de Deus».

Por tantos testemunhos, a autêntica autoridade na Igreja funda-se no serviço e no amor. Ao mesmo tempo, é fulcral nunca confundir serviço com autoridade. Servir e não ser servido. Este imperativo confronta-nos, mais uma vez, com uma crescente necessidade de uma formação sólida para todos os leigos e clérigos bem como a corresponsabilidade diferenciada em sinergia, conforme a nossa Nota Pastoral: Ministérios Laicais na Igreja Sinodal Missionária, Braga, 22 de janeiro de 2025. 

O documento final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na segunda sessão, que aconteceu de 2 a 27 de outubro de 2024, salienta: «em resposta às necessidades da comunidade e da missão, ao longo da sua história a Igreja deu origem a alguns ministérios, distintos dos ordenados. Estes ministérios são a forma que os carismas assumem quando são reconhecidos publicamente pela comunidade e por aqueles que têm a responsabilidade de os orientar, e são colocados de forma estável ao serviço da missão. Alguns estão especificamente mais voltados para o serviço da comunidade cristã. De particular relevância são os ministérios instituídos, que são conferidos pelo bispo, uma vez na vida, com um rito específico, depois de um discernimento apropriado e de uma formação adequada dos candidatos. Não se trata de um simples mandato ou de uma atribuição de tarefas; a atribuição do ministério é um sacramental que molda a pessoa e define o seu modo de participar na vida e na missão da Igreja. Na Igreja latina, trata-se do ministério do leitor e do acólito (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Spiritus Domini, 10 de janeiro de 2021), e do ministério do catequista (cf. Carta Apostólica sob a forma de Motu proprio Antiquum ministerium, 10 de maio de 2021). Os termos e as modalidades do seu exercício devem ser definidos por um mandato da legítima autoridade. Compete às Conferências Episcopais estabelecer as condições pessoais que os candidatos devem satisfazer e elaborar os itinerários formativos para o acesso a estes ministérios» (n.º 75).

Com efeito, «há diversidade de carismas, mas o Espírito é o mesmo; há diversidade de serviços, mas o Senhor é o mesmo; há diversidade de atividades, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. A cada um é concedida a manifestação do Espírito, para o bem comum» (1Cor 12,4-7; cf. Ef 4,11-13). O primado é da ação do Espírito Santo que distribui os seus dons. 

Não uns contra os outros e não uns sem os outros. Na inteligência de doar tempo, a Igreja tem de ser sempre generosa. Prossigamos, pois, como cantamos num hino da Liturgia das Horas: «vivamos para o Senhor, / caminhando à luz da fé, / animados na esperança, / unidos na caridade».

Porém, não se descura o valor da edificação da comunidade, como apresenta o livro dos Atos dos Apóstolos: «Não é bom deixarmos de lado a palavra de Deus para servirmos às mesas. Escolhei entre vós, irmãos, sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, a quem encarregaremos dessa necessidade. Quanto a nós, dedicar-nos-emos à oração e ao ministério da Palavra» (At 6, 2-4).

Um outro traço do serviço é o cuidado do acolhimento a todos. As comunidades cristãs, nomeadamente as paróquias, devem ser o rosto de uma Igreja acolhedora, samaritana, sinodal e missionária. As equipas de acolhimento criadas durante a pandemia de Covid-19 são sinal desta Igreja que cuida o acolhimento de todos. Em algumas paróquias, estas equipas mantiveram-se ativas mesmo depois da pandemia, promovendo não só o acolhimento dos fiéis para as celebrações litúrgicas, mas também a hospitalidade para com aqueles, portugueses ou migrantes, que andam em busca de lugares e comunidades para celebrar a sua fé.

Precisamos também de redescobrir o dom da escuta. Onde for possível, criem-se centros de escuta e acompanhamento. Escutar a Palavra, escutar os outros, escutar o grito dos que sofrem e a sabedoria que brota mesmo fora das fronteiras visíveis da Igreja, tudo isto é Evangelho em renovação.

Assim, a Igreja peregrina bracarense pode, dia a dia, «crescer no conhecimento do mistério de Cristo, imergindo a nossa vida no mistério da sua Páscoa, na esperança da sua vinda. Esta é uma verdadeira formação contínua. A nossa vida não é uma sucessão causal e caótica de acontecimentos, mas um percurso que, de Páscoa em Páscoa, nos conforma a Ele enquanto esperamos em jubilosa esperança a vinda de Jesus Cristo, nosso Salvador» (Desiderio desideravi, 64).

Acolher a todos, eis o grande estímulo para os pastores e para todos os fiéis: «a Igreja, como mãe, caminha com os que caminham. Onde o mundo vê ameaça, ela vê filhos; onde se erguem muros, ela constrói pontes. Pois sabe que o Evangelho só é credível quando se traduz em gestos de proximidade e de acolhimento; e que em cada migrante rejeitado, é o próprio Cristo que bate às portas da comunidade» (Dilexi te, 75).

Nesta perspetiva, acrescenta o Papa Leão XIV: «enquanto Corpo de Cristo, a Igreja sente como sua própria “carne” a vida dos pobres, que são parte privilegiada do povo em caminho. Por isso, o amor aos pobres – seja qual for a forma dessa pobreza – é a garantia evangélica de uma igreja fiel ao coração de Deus. Efetivamente, toda a renovação eclesial sempre teve entre as suas prioridades esta atenção preferencial pelos pobres, que se diferencia, tanto nas motivações como no estilo, da atividade de qualquer outra organização humanitária» (Dilexi te, 103).

Recordo que a vida cristã é uma grande peregrinação na esperança pascal. Por isso, somos um povo que caminha nas estradas e nas ruas da vida. Também, em sinal disto mesmo, durante o Ano Santo Jubilar peregrinamos à Sé Primaz, a casa da oração e a porta do céu. Aqui experimentamos e «celebramos a claridade, porque Deus nos criou para a alegria» (in “A Casa de Deus”, Sophia de Mello Breyner Andresen).

A todos e a cada um(a), gostaria de dizer, com a Virgem Santa Maria e todos os santos e beatos do nosso calendário próprio bracarense, não te envergonhes de dar testemunho de Jesus Cristo (cf. 2Tm 1, 8). Juntamente com os Bispos Auxiliares, D. Delfim Gomes e D. Nélio Pita, «damos sempre graças a Deus por todos vós, lembrando-nos constantemente de vós nas nossas orações, ao recordarmos a obra da vossa fé, o empenho do vosso amor, e a perseverança da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo, diante de Deus e nosso Pai» (1Ts 1, 2-3).

 

Cordial e fraternalmente em Jesus Cristo, nossa Páscoa e nossa Paz.

Vila Nova de Famalicão, 29 de novembro de 2025

 

 

+ José Manuel Cordeiro

Arcebispo Primaz