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28 Out 2022
Pe. Paulo Terroso: “O espírito sinodal exige um grande despojamento”
O Documento para a Etapa Continental (DEC) do Sínodo foi publicado ontem, dia 27 de outubro de 2022. O Pe. Paulo Terroso, membro da Comissão de Comunicação do Sínodo e que integrou a equipa responsável pela redação do documento, falou com o DACS sobre vários aspetos contemplados no DEC, como a preocupação com os jovens e o acolhimento daqueles que se sentem excluídos pela Igreja.
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  © Synod.va

Vários especialistas, vários dias de trabalho, imenso conteúdo… Quão difícil foi a redação deste Documento para a Etapa Continental?

Não sei se posso dizer que foi propriamente difícil. Foi intensivo, foi um trabalho exigente da nossa parte, mas muito estimulante! O que posso dizer que senti e que experienciei, não só eu, mas todos nós que lá estivemos, até porque avaliamos o nosso trabalho, foi esta serenidade, esta suavidade. De facto, a forma como como Deus se faz sentir através do seu Espírito é um sopro suave, é uma brisa. E quando nós chegamos ao fim, no dia 2 de outubro, trabalhamos mesmo depois do encontro com o Papa, até à noite, para além da alegria que sentimos, experienciamos essa serenidade, essa paz interior. No meu entendimento, uma confirmação, uma consolação do Espírito, como quem quer dizer: “está feito o vosso trabalho”.

De resto, havia o entusiasmo e, ao mesmo tempo, o sentido de responsabilidade que tínhamos de nos aproximarmos uns dos outros. A responsabilidade por um texto que nos tinha sido entregue, ou pelos vários textos que nos tinham sido entregues pelo povo de Deus e que eram muito mais do que palavras. A determinado momento do nosso encontro, sentimos que eram pessoas concretas que nos estavam a falar. Daí a ideia de que também nos estávamos a aproximar de um “terreno sagrado”. Era necessário observar o cuidado, a delicadeza com que o devíamos fazer e, ao mesmo tempo, não defraudar, não as expectativas, mas a voz do Povo de Deus. Que este documento que agora é devolvido novamente às Igrejas locais, devolvido novamente ao Povo de Deus, seja a expressão daquilo que nos foi entregue e que tivemos o cuidado de fazer emergir nestas páginas. É sempre exigente para quem escreve, uma folha em branco pode causar algum medo, mas nós também não íamos escrever algo de novo! A criatividade era mais em termos de estilo, de modo, porque o conteúdo já nos tinha sido oferecido. E, nesse sentido, torna-se muito, muito mais fácil.

 

O que pensa das críticas feitas à Síntese portuguesa?

Do ponto de vista não só mediático, mas de serviço à causa do Sínodo, é o melhor que podia ter acontecido, porque colocou no centro e na discussão da vida da Igreja em Portugal este processo sinodal que estava a ser pouco falado. A resistência passava, em certa medida, por não se falar dele, por não participar. Por isso, as críticas colocaram o foco no processo sinodal e em tudo o que é dito na Síntese. Fizeram com que as pessoas lessem a Síntese, ou que muitos de nós tivéssemos uma atenção muito especial ao que lá está escrito. Por outro lado, foi possível também identificar precisamente de onde surgem as resistências. Além do mais, é importante para tomarmos consciência destas tensões existentes na Igreja e em Portugal e criarmos espaços de escuta, de diálogo com essas pessoas e de empreendermos um caminho todos juntos.

©Synod.va


Pensa que poderá acontecer o mesmo agora com o Documento para a Etapa Continental?

Haverá quem ache que fomos longe demais, ou que o Documento deveria ter tido outra redação. Acredito e não me admiraria nada que houvesse, ou que haja essa reação. Haverá também quem pense que fomos demasiado cautelosos, pouco ousados, que não arriscamos em querer ir um pouco mais além, que deveríamos ir um pouco mais longe… Como digo, o documento que foi aprovado é o documento que todos ali presentes – não foi uma, duas, três, quatro pessoas, mas sim quase 50 – de um modo muito consciente entendem que é a expressão da voz do Povo de Deus.

Agora, sim, as críticas vão acontecer, já estão a acontecer, até no período em que estávamos em Frascati. Como aconteceram em Portugal. São as tensões que não são negadas no DEC. Portanto, há uma consciência dessas tensões; aquilo que se espera é que não se tornem polarizações e não se tornem confronto, mas se tornem uma discussão saudável. Quem contesta o documento, quer num sentido, quer no outro, acredito genuinamente que esteja preocupado com a Igreja e em ser fiel a Jesus Cristo e ao seu Evangelho, não tenho dúvidas nenhumas disso. Não quero ter, pelo menos! E, portanto, temos que nos escutar uns aos outros. Temos que continuar a promover este diálogo.

Se o Papa Francisco agora alarga a duas assembleias, não vai terminar só em 2023 a fase celebrativa, mas em outubro de 2024, é porque ele próprio tem a consciência da necessidade de amadurecermos, de caminharmos, de todos nós conseguirmos tempo para assimilar muito do que está a ser dito. E muitas das coisas que estão a ser ditas, nem nós – aqueles que escreveram agora este documento – conseguimos intuir o seu alcance total. Isto pode parecer estranho, mas nós temos uma ideia, uma iluminação… e depois vai muito mais longe do que aquilo que nós imaginaríamos! Por isso, as críticas vão acontecer. Já estão acontecer isso e isso é notório, até por várias reações a algumas entrevistas e comentários que são feitos no Facebook. Mas faz parte deste processo.

 

Porquê a escolha da passagem do Livro de Isaías? Pode falar-nos um pouco sobre o ícone bíblico da tenda?

Foi dos momentos mais emotivos e comoventes para mim quando se chega a essa imagem bíblica da tenda e a essa passagem. Eu tinha dado pouco antes uma entrevista ao Mensageiro, uma revista do Apostolado da Oração, onde referi que nós estávamos a viver uma espécie de exílio. A primeira vez que vi essa metáfora da Igreja em exílio já tinha sido há algum tempo, quando estive numa comunidade religiosa, a Piccoli Fratelli di Jesus Caritas, em Foligno, Itália. E havia ali um padre, um membro da comunidade que falava dessa imagem do exílio. Na altura não percebi, não estava a perceber. Mais tarde, refletindo sobre a vida da Igreja e o contexto que estamos a viver, reconheci-me nessa imagem. E depois é surpreendente que ela tenha aparecido.

Para mim, a imagem da tenda fala-nos dessa tenda do povo de Deus que se reunia a caminho da terra prometida, quando estavam a sair do Egito… E é a tenda do encontro, é lá que se encontra a Arca da Aliança, que no fundo é a presença de Deus entre o povo. Como vem descrito no documento, essa imagem da tenda remete-nos, coloca-nos entre o exílio da Babilónia e a memória desse caminho que o Povo de Deus está a fazer em direção à Terra Prometida. A Igreja é peregrina, está a caminho. E está em constante movimento, não é estática. Para além de alargar a tenda para que mais pessoas possam caber nela, a tenda precisa de estar sob tensão para não cair, para que não seja levada pelo vento, por exemplo. Ao mesmo tempo temos consciência não só da fragilidade, mas de como o local onde ela está montada não é o local definitivo. Ela é para ser levada e para estar a caminho. Portanto, em que é que vamos confiados neste caminho? Não numa fortaleza, não nas nossas extraordinárias Catedrais que aí estão e permanecerão, mas nesta Igreja que é conduzida pelo Espírito de Deus e é pobre de meios ao mesmo tempo. E não tem medo de ser assim, porque não está para se impor, está para servir, para servir o mundo! Portanto, o que a coloca como fonte de atração é esta simplicidade, é este despojamento e esta consciência de que a sua força está precisamente em Deus e na voz que nos chama.

Estou a ir para além do texto e daquilo que é descrito neste momento no documento, porque acho que é uma imagem fortíssima e provocadora a vários níveis. É uma imagem de uma grande humildade, de uma fraqueza do ponto de vista material, que só interroga pela sua simplicidade e pela sua humildade. Acho que nem o Papa Francisco alguma vez sonhou com esta imagem, quando, num dos seus primeiros discursos, dizia o quanto desejava e sonhava com uma Igreja pobre e para os pobres.

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Como refere a República Centro-Africana, o método da conversação espiritual foi muito apreciado. Acha que a maioria do Povo de Deus vai continuar a seguir este método, independentemente do Sínodo?

Nós, na Arquidiocese de Braga, fazemos isso de uma forma simples, com os grupos Semeadores de Esperança. Fomos convidados e somos convidados a fazê-lo: no fundo, de modo muito simples, a pegar na palavra Deus e fazer uma leitura orante da palavra de Deus, iluminar com a palavra de Deus a nossa vida. E narrar com a nossa experiência, a partir das nossas relações, das decisões que tomamos, como ela é significativa, ou como ela ilumina o nosso caminho, ou como é fonte de inspiração, alimento, conforto, exortação, correção! Isso é absolutamente necessário!

A conversação espiritual significa que nós somos conduzidos pela Palavra de Deus, pela tradição viva da Igreja e pelo Espírito de Deus que torna a vida de Deus presente em nós. E só assim é que é possível tomar decisões, decisões segundo o Espírito. O que me parece aqui importante? Se não fazemos, devemos começar a fazer: é desde logo, o nosso método, o procedimento com que nós realizamos as nossas reuniões. As do Conselho Económico, do Conselho Pastoral, ou de outro tipo de Conselhos. Se é o momento em que nós fazemos a oração, como se fosse uma espécie de moldura, uma bela moldura que delimita o espaço temporal da nossa reunião, ou seja, rezamos no princípio e também com ela terminamos… Ou, se, de facto, a oração atravessa o nosso coração e atravessa as nossas decisões e os projetos, o planeamento pastoral.

Uma das coisas que tenho aprendido desde a abertura do Sínodo, depois com a reunião de todas as comissões em abril deste ano e agora com este último encontro em Frascati, é o quanto há necessidade de oração, de silêncio e de retiro. E quando aqui digo retiro, digo mesmo no sentido físico, que leva também  a um retiro espiritual interior para decidirmos, para pensarmos em conjunto a nossa vida em Igreja. Bom, eu, de um outro modo, já tentei sugerir que, por exemplo, as nossas reuniões do Conselho Pastoral fossem de um outro modo. Falo a nível diocesano, porque acho que o modo como o estamos a fazer é demasiado apressado. E para uma Igreja sinodal, para viver o espírito sinodal, é necessário tempo cronológico. O tempo da graça, ou kairós, como nós dizemos de uma forma muito técnica, não dispensa o chronos, o tempo cronológico. O tempo da graça acontece no tempo cronológico. Esse também é importante.

Por isso, a conversação espiritual é absolutamente necessária. E, mais uma vez repito, os nossos irmãos jesuítas, a Companhia de Jesus, devem ajudar-nos muito no sentido de compreendermos o que é o discernimento, ensinar-nos a discernir. Há outras tradições espirituais sobre o discernimento, mas é importante esta ajuda da Companhia de Jesus de nos ensinar a discernir segundo as regras dos exercícios espirituais de Santo Inácio. A experiência de retiro pessoal também é muito importante para viver segundo o espírito de Deus.

 

O documento realça precisamente a importância dos Conselhos Pastorais e Económicos, entre outros, chamados a ser lugares não apenas consultivos, mas “em que se tomam decisões com base em processos de discernimento comunitário”. É uma oportunidade para estes organismos ganharem novo impulso?

É, é uma oportunidade, tem é que ser agarrada. Mesmo antes do Sínodo, se isto não era claro, devia estar claro. O que me parece que pode vir a acontecer é ter um carácter obrigatório no futuro, ou seja, por exemplo, ser obrigatório constituir o Conselho Pastoral, ou realizar um conjunto de procedimentos para tomar determinadas decisões. O que também já existe, mas concretizar mais. No fundo, o que é que as pessoas pedem? Mais transparência e serem escutadas na tomada de decisões de vários tipos. O que perspetivo é o carácter obrigatório destes Conselhos e uma clarificação dos procedimentos a realizar em determinadas decisões. Mas, a melhor lei, se não for cumprida, não vale de nada. Há aqui uma outra palavra que não aparece, accountability, prestar contas… Isso significa que eu, enquanto presidente do Conselho Económico, Pastoral, etc., ou mesmo como pároco, estou sujeito ao escrutínio e devo ser transparente, comunicar bem e esclarecer as pessoas da razoabilidade, da racionalidade das decisões que tomo.

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Apesar de o documento referir o “clericalismo”, também refere o apreço do Povo de Deus pelos sacerdotes. É igualmente apontada a exaustão de alguns ministros ordenados por vários motivos, incluindo o acumular de tarefas. Pensa que este “esgotamento” também poderá estar relacionado com a crise dos abusos, que tem afetado toda a Igreja?

A crise dos abusos, todos os relatórios, os escândalos sucessivos… Evidentemente, isso influencia e, portanto, provoca mal-estar, desolação, vergonha! A questão é muito mais profunda. Antes, dizer que, de facto, há um verdadeiro apreço pelos sacerdotes. E há um reconhecimento que os sacerdotes estão envolvidos em muitas atividades em que não precisam de estar envolvidos e que podem ser perfeitamente desempenhadas pelos leigos. Eu, além de padre, também sou administrador do Diário do Minho, diretor da Oficina de São José, diretor de Comunicação da Arquidiocese de Braga, enfim… Tudo isto pode ser feito por um leigo! Não é necessário que eu o faça. E, como eu, noutras funções, tantos outros.

O Povo de Deus tem essa consciência, de que a vida dos sacerdotes mudou muito e que eles estão ocupados e se esgotam em muitas funções que podem ser desempenhadas por leigos. Mas parece-me que é revelador nas sínteses algo ainda muito mais profundo, que tem que ver com a formação nos Seminários ligada a um certo défice relacional, a capacidade de nos relacionarmos. Considero que ainda é mais profundo, que é de ordem espiritual! Há dias fazia uma reflexão para mim mesmo: qual era a pergunta que eu teria que fazer a um seminarista no quarto, quinto ano, poderia até ser antes, fundamental para ele ser ordenado? A questão seria: “quando é que foste encontrado por Jesus Cristo? Fala-me desse momento, conta-me o que sentiste. Tiveste uma experiência significativa, fundante, fundamental?”. Um pouco como aquele casal que diz que foi naquele dia que teve a certeza que era com aquela pessoa que queria passar os dias da sua vida e criar uma família! Porque é que isto é importante? Porque nos momentos de crise – e todos nós vivemos momentos de crise, casados, não casados, padres, religiosos, religiosas – é preciso voltar a esse momento para dizer: “eu não me enganei”. Aquilo não é uma ilusão, mas perceber também quem é o meu Senhor e qual é a minha missão, que é servir, servir Jesus Cristo servindo os irmãos.

De outra forma, depois de todo o tipo de abusos – sendo que os abusos sexuais são uma forma de abuso, mas também há abuso de poder, abuso de consciência, abuso económico, abuso espiritual… – a partir de um determinado momento esquecemos que somos discípulos de Jesus Cristo, que estamos ao serviço e ao serviço da Sua Igreja. Nós não somos donos! Não é dada uma paróquia a um padre, como se fosse sua propriedade. É dado um padre, um pároco, a uma paróquia. Não é dada uma diocese a um bispo. Um bispo é dado a uma diocese, está ao serviço da diocese. Não é dada uma Igreja ao Papa, à Igreja é dado um Papa para estar ao seu serviço. Não devemos ter medo do poder. Aliás, nós, no credo, rezamos “creio em Deus Todo Poderoso”. Acreditamos que há algo de bom e muito bom no poder e dizêmo-lo várias vezes na celebração da eucaristia. Mas esse poder, antes de mais, é o de nos tornarmos filhos de Deus, esse é que é o grande poder! E esse poder vive-se no serviço. O poder da Igreja, que é real, que é efetivo, é o serviço à humanidade. Mas é exercido deste modo, servindo e servindo humildemente.

Portanto, mais uma vez, voltando a esta questão do clericalismo, desta desolação e tudo isso… Acho que voltamos à pergunta: onde é que a nossa casa está fundada? Está fundada sobre a rocha firme? Nós sabemos que as crises vão acontecer sempre, tempestades, enxurradas, escândalos… Mas a casa sobre a rocha firme é a casa fundada sobre a escuta da Palavra de Deus e colocando-a em prática. Havendo isso, há uma confirmação, uma consolação, há uma vida em que, apesar das tristezas – e para um cristão, o contrário da alegria não é a tristeza, mas o desespero, a confusão, a falta de confiança… – a vida continua a ser bela, a fazer todo o sentido e o desejo da oferta e entrega da vida não desaparece, muito menos o entusiasmo.

  

Às portas da JMJ 2023, o DEC fala de uma opção pelos jovens. Porque é que estes têm acabado por ficar um pouco à margem? A Secretaria do Sínodo até avançou com uma excelente iniciativa, o Sínodo Digital…

Porque os jovens não estão na Igreja, esta é a forma mais simples de responder (risos). Haverá várias razões. Sendo convocados não participaram, ou não manifestaram interesse. Sobre o Sínodo Digital, ouvia-se através dos influencers – e agora até vai acontecer um momento de oração – que muitos jovens participaram e houve um grande entusiasmo, manifestou-se um grande entusiasmo à volta deste tema e os jovens sentiram-se muito apreciados por poderem falar, por serem escutados. Aliás, isto é um denominador comum não só aos jovens, mas a todos os que participaram no Sínodo: sentirem-se valorizados. “É importante aquilo que eu tenho a dizer, a Igreja vai escutar-me”. Posso dizer que a cada um de nós foi confiada um mínimo de dez sínteses dos participantes. Cada pessoa podia até ler todas as sínteses e eu lembro-me perfeitamente do que escrevi depois, no sumário final. A propósito dos jovens, escrevi: “Roma, we have a problem”.

O que se verifica e sinto que isso se reflete também no documento: estamos a ter muitas dificuldades em relacionarmo-nos com os jovens e os jovens estão de saída da igreja. Temos que ser assim mesmo, muito, muito claros. O que está a acontecer não é só um problema da Europa, do mundo Ocidental, como se em África ou na Ásia estivéssemos muito bem… Não, não! É do norte a sul, do este ao oeste… é global! É preciso estarmos atentos, temos de compreender este fenómeno. A JMJ, de facto, vai acontecer num momento absolutamente extraordinário, já foi referido várias vezes: no pós-pandemia, na Europa em guerra… Mas não é só a Europa que está em guerra! Percebemos que este é um problema global. Há o futuro dos jovens, as questões ligadas ao emprego, à constituição de família, compra de casa, ou arrendamento, e outro tipo de questões…

Já alguém disse que seria um erro colossal fazer uma Jornada Mundial da Juventude reproduzindo aquilo que foi feito no passado. Simplificando, temos de perceber que temos de escutar os jovens. Eles sabem expressar-se e precisamos de perceber porque é que eles não sentem entusiasmo, não se sentem atraídos por fazer parte deste corpo que é a Igreja e de caminhar connosco. Não são, evidentemente, todos os jovens, há jovens muito comprometidos, sim. Mas, uma larga maioria, não direi que não que tenha um problema connosco, mas pelo menos estão indiferentes. 

© Vatican Media


À semelhança de sínteses nacionais que temos lido, este documento volta a referir o acolhimento dos divorciados recasados, famílias monoparentais, pessoas LGBTQ… Como é que este acolhimento poderá ser possível em termos concretos?

A primeira coisa a fazer é não categorizar as pessoas, não envolvê-las numa categoria. O princípio de desumanização passa por aí. Às vezes, sentimos isso até nos debates ou nas discussões políticas. Não nomear o outro: isto é de uma grande violência, não lhe dar um nome, não lhe dar um rosto… Então, como é que isto se faz? Ouvindo, falando com as pessoas e, desde logo, não as rejeitando e dizer sobre isto que “a resposta é esta”. Vamos à algibeira e tiramos logo a resposta. Vamos ao Catecismo da Igreja Católica e… “está aqui, leiam isto, é isto que nós temos para vos propor”. Não! É ouvindo a história delas, dando-lhes um rosto, um nome, convidando-as para falar connosco que somos capazes de iluminar essa realidade e essas vidas. E percebermos que se calhar há outros caminhos possíveis! É possível abrir e fazer um caminho, não são questões, de todo, simplesmente fechadas. Também não são tão simples como nos querem fazer parecer, como se isto fosse uma questão em que, enfim, cada um vive e faz aquilo que bem entender… Não me parece de todo que vá por aí, não concordo.

Mas, no meio de todas estas questões, é preciso perceber que há muitos outros caminhos que podem ser caminhos dentro da Igreja, sem excluir! No fundo, citando o próprio Jesus Cristo, “na casa do meu Pai há muitas moradas”. E, assim, é fundamental ouvir e falar com estas pessoas. É um erro tremendo que não resolve, simplesmente cria entrincheiramentos, dizer que sobre este assunto está tudo dito, não há nada mais a falar, nem sequer queremos ouvir. Já nem falo dos discursos de ódio que também são reais, existentes do ponto de vista eclesial, e são anti-evangélicos, não têm nada que ver com Jesus Cristo. Não é e não seria de modo algum o modo como Jesus acolheria qualquer uma destas pessoas. Portanto, há que ter atenção a isso. Vamos lá ver: este documento, colocando assim a claro estas questões, já é um grande passo neste longo processo. Certamente teremos nesse campo uma outra abordagem pastoral, não vejo acontecer de outro modo, muito honestamente.

 

A propósito de pessoas que se sentem excluídas, o Uganda refere que “os ricos e os instruídos são mais ouvidos”. Mesmo sem Sínodo, como Igreja, não deveríamos fazer precisamente o contrário, privilegiando as periferias e os menos favorecidos?

A Igreja fala e existe para todos. Mas, de facto, há uma opção preferencial de Jesus Cristo pelos mais desfavorecidos, pelos marginalizados. Nós temos a Cáritas, temos equipas sócio-caritativas, vai chegar o Natal e temos o cabaz de Natal… Além desta visão às vezes um pouco assistencialista, a Igreja não tem só essa visão. A nível paroquial, as coisas podem não ser tão refletidas; não é justificar, mas ajudar a contextualizar. Havendo muita gente que faz esse trabalho com marginalizados, creio que honestamente temos falhado aí. A minha perceção é esta.

O que é que se verifica nas sínteses? É interessante e eu fiquei com essa consciência: onde a Igreja está junto dos mais pobres, onde luta pela justiça social, pela dignidade humana, onde dá a cara, empenha-se, suja as mãos, é onde ela é respeitada e amada. E nós devemos estar onde ninguém quer estar! Tenho pensado muito nisto… Temos vindo a falar dos abusos e temos que cuidar das vítimas, evidentemente. Em primeiro lugar, temos que cuidar das vítimas! Mas a Igreja tem que ser para todos, mesmo para os abusadores ou abusadoras. Alguns deles também foram abusados e reproduziram isso. E nós temos de ter a coragem de ser para todos. Por exemplo, e pensando nesta área, o que é que efetivamente temos feito? Em Portugal, neste momento temos as Comissões diocesanas, temos uma Comissão Independente que está a fazer este estudo histórico. Precisamos de esperar a conclusão da Comissão Independente para empreendermos um caminho de aproximação às vítimas que queiram vir ter connosco? Um caminho de apoio psicológico, de apoio espiritual, abrir também espaços de escuta para essas pessoas, não só para denunciar, mas para fazer esse caminho de libertação, de cura, de reconciliação… Parece-me fundamental!

Por outro lado, é impressionante que, e contextualizando a partir do nosso país, outro dia foi dito que temos 4,5 milhões de pessoas no limiar da pobreza e parece que ninguém se escandalizou. Não há uma Comissão de Justiça e Paz capaz de ter uma palavra, de dizer alguma coisa? Nós, como Igreja em Portugal, não temos nada a dizer sobre o que está a acontecer do ponto de vista económico e da situação em que estão as famílias? Com os spreads dos empréstimos a aumentar quase a cada dia, com a inflação que estamos a ter, não há uma palavra? Não compreendo. Alguma coisa está a falhar! Não é só estar ali ao lado dos sem-abrigo e levar a sopa ou uma refeição quente, dar-lhe um teto… Nós temos que falar! Não há uma Igreja áfona: se é áfona, não é Igreja, não tem voz! Nós temos que dizer alguma coisa! Sobretudo, e mais uma vez, pensar no futuro dos nossos jovens. Qual é o futuro deles? Emigrarem? É essa a resposta que temos para eles? Não é possível outro caminho? Não é uma questão de fazer política.

A Igreja tem uma agenda política: chama-se Doutrina Social da Igreja! A Igreja tem uma agenda política e não deve ter medo de o dizer e de a pôr em prática. E nós temos que o afirmar sem medo, mesmo sendo criticados, incompreendidos, mesmo que se entre na desconversação, em que se comece a falar de salários, de emprego, dos despedimentos, da taxa de inflação e que nos venham falar de abuso e outras coisas. Nós temos que denunciar e anunciar também, temos de criar fóruns locais de discussão e perspetivar a economia de outro modo. Quem é que está a fazer isto? A única voz neste momento em Portugal que se debate sobre estas questões, a nível global, é a do Papa. Depois temos um grande trabalho da LOC, a Liga Operária Católica, sempre muito ativa, há que o reconhecer. A nossa missão é essa! Outra coisa que é preciso ter cuidado é que se há uma agenda política que passa pela desmantelação, pela divisão e desestruturação da Igreja, é bom não esquecer que um dos grandes pilares do Estado Social em Portugal é precisamente a Igreja. Portanto, se há uma agenda oculta a pretexto dos abusos que quer “destruir” a Igreja, enfim, espero que tenha alternativas melhores.

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“Repensar a participação das mulheres” na Igreja é um dos pontos de destaque do DEC, que terá surgido na maioria das sínteses enviadas à Secretaria Geral do Sínodo, não só relativamente às mulheres leigas, mas também às religiosas. Acha que o Sínodo vai levar a uma mudança neste sentido? Como valorizar mais os carismas e dons das mulheres?

Fazendo-as participar naturalmente da vida da Igreja e de tantos serviços e ministérios em que já é possível a participação das mulheres. Sim, pede-se um aprofundamento, pede-se um olhar, um olhar que vá para além da ternura, o sol do lar, que venha o reconhecimento da igualdade e o contributo da mulher na vida da Igreja. Eu sei que há aqui duas questões, termos mulheres diaconisas e a questão do sacerdócio das mulheres… Estão aí a efervescer. Não sei como é que isto se vai processar no futuro, mas é uma discussão inevitável, parece-me.

Agora, o documento coloca o olhar aí e vai ser fruto de apreciação, do discernimento nestes próximos tempos. O Papa Francisco já tem trabalhado imenso nisto e outras dioceses também, com a ocupação de cargos que eram exclusivamente masculinos, ou ocupados por sacerdotes e que neste momento já são ocupados por mulheres. A questão é olhar para isto com naturalidade e não com excecionalidade. E parece-me que ainda há um longo caminho a percorrer. Uma outra atenção ao mundo feminino também passa por isto: é verdade que a maior parte das nossas assembleias e a vida do dia a dia da nossa Igreja é feminina! Não só porque a Igreja é um substantivo feminino, mas porque efetivamente nas nossas celebrações, 90%, às vezes até mais, as pessoas que estão a celebrar são mulheres.

No futuro pode não ser assim, porque os dados estatísticos demonstram que a indiferença religiosa também já chegou às mulheres e parece até ser mais no mundo feminino, do que no mundo masculino. O que significa que, no futuro, nem as mulheres podem estar na Igreja. Só queria voltar aqui atrás, a esta ideia do exílio da Babilónia. Claro que nós temos a perspetiva de que esta não é a palavra final. Mas quando pensamos assim: estamos em exílio e isto vai agora mudar com um estalar de dedos de Deus, ou como se por um passe de magia as coisas se fossem transformar… Cuidado, não é assim, isto exige o nosso empenho! Porque se estamos mal, podemos estar pior. Que não haja esta convicção que, de um momento para o outro, ali, ao virar a esquina, por um acontecimento excecional, uma intervenção divina, tudo isto muda.

Aliás, parece-me claro que haverá uma diminuição do número dos crentes, pelo menos na Europa. Não digo isto num sentido negativo, mas perspetiva-se uma forma, uma configuração da Igreja, mesmo a nível de números, completamente diferente nos próximos tempos. Não podemos pensar que a Igreja é o mundo e o mundo é a Igreja, mesmo em Portugal.

 

É notório que a “teologia batismal” do Concílio Vaticano II ainda não foi “suficientemente desenvolvida”, segundo o DEC. Aliás, o Concílio continua a ser fonte de resistências. Porquê? Este Sínodo corre o risco de vir a ser uma espécie de novo Concílio em que as hipotéticas propostas vão encontrar também muitos desafios e resistências?

Confesso que não sou a pessoa mais competente para dizer por que razão o Concílio Vaticano II ainda oferece tantas resistências. Mas há um considerável número de pessoas na Igreja, leigos e sacerdotes, também alguns bispos, que acham que o resultado do Concílio Vaticano II não foi o melhor no sentido de que se instalou a confusão, a reforma litúrgica levou a uma banalização da liturgia, arbitrariedade até na forma como se celebra, o subjetivismo, que a Igreja perdeu a sua força, que traiu a própria Doutrina e o próprio Cristo… Há um conjunto de considerações e de posições relativamente a isso.

Eu acho que na base está a ideia da Igreja entendida como um grande poder. Mas um grande poder no sentido temporal, não espiritual, no sentido da Igreja que deve estar ao serviço da humanidade. E sem medo! Se o próprio filho de Deus se ajoelhou e lavou os pés aos discípulos, enfim, quem somos nós? Esta dimensão da encarnação e do abaixamento, desta condição do Filho de Deus que vai e assume a condição de um escravo… O modelo da Igreja, a vida da Igreja deve transparecer o estilo de Jesus Cristo. Esta é também uma das ideias fortes que acho que devem passar e que devem determinar a forma como nós agimos.

E depois há também esta valorização da dignidade batismal e da escuta, porque no centro da sinodalidade está a valorização do Povo de Deus. Não só como alguém que tem a aprender, mas que também tem algo a ensinar. Há uma teologia do Povo de Deus! E o Papa Francisco tem isto muito claro porque, sendo para mim um profeta e profundamente carismático, tem uma intuição ou uma iluminação que lhe é tornada clara e confirmada na sua relação com as pessoas, sobretudo as mais simples. Está ligado à terra, tem o coração em Deus, mas os pés assentes na terra. E o Sínodo coloca todos nós, e de modo particular na hierarquia, numa atitude de serviço. E acho que para muitos, infelizmente, isso faz confusão. (…) Todos nós gostamos de nos sentir especiais. Compreendo, mas ser especial é sentir que Deus nos chamou para estarmos ao serviço! Esta é que é a nossa missão. É não ter os outros a olhar para nós como se vivêssemos à parte do mundo. Ou como se Deus tivesse olhado para nós e achasse que nós é que somos mesmo muito, muito especiais. Acho que no fundo há esta incapacidade de nos sentirmos todos amados por Deus, sendo que ninguém é mais importante do que ninguém. Deus confiou-me esta missão, digo sim com alegria e entusiasmo e coloco-me ao serviço da comunidade dos fiéis. Como São Paulo diz, os dons, os carismas servem e são para estar ao serviço do bem comum, ao serviço da comunidade.

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“A mensagem do Sínodo é simples: estamos a aprender a caminhar juntos e a sentar-nos juntos para partir o único pão, de modo que cada um possa encontrar o seu lugar”. A mensagem é simples… e a ação?

A ação, como se vê, é gigantesca, complexa e há aqui um trabalho de cartografia eclesial imenso. Por isso, desde a abertura do Sínodo a esta fase de auscultação das Igrejas particulares, de todo o Povo de Deus… Depois este Documento para a Etapa Continental que regressa, pedindo-se uma nova reflexão e que se envie o resultado dessas reflexões depois para a Etapa Continental. Há a fase celebrativa, que se desdobra em duas assembleias… E todo o caminho que ainda vai ser feito até lá! Até nos envolvermos todos e tomarmos consciência, até assimilarmos este modo de ser Igreja Sinodal, talvez seja precisa mais uma geração, mas alguém tem que o começar a fazer. A mensagem é simples quando nos dispomos a fazer as coisas com simplicidade.

Vou voltar atrás, à experiência em Frascati. Quando vemos aqueles teólogos ilustres, com um trabalho académico imenso, vários livros e artigos escritos, com a postura que tinham na relação uns com os outros, com aqueles que não eram teólogos – a começar por mim –, era de uma simplicidade, de uma humildade, de um verdadeiro interesse e amor à Igreja e de a servir… Quando há este verdadeiro espírito de serviço e de reconhecimento que o Senhor nos dá os dons para nos colocarmos ao serviço dos outros, tudo se torna mais fácil! O espírito sinodal exige um grande despojamento.

O nosso ego só não fala mais alto quando não nos sentimos postos em questão com as observações, ou as críticas dos outros, e que a nossa vida está fundada sobre uma outra vida, está unida a essa vida de Jesus Cristo. Está alicerçada sobre um fundamento que vai para além da nós próprios. Quando achamos que somos o fundamento de nós próprios, qualquer coisa que nos ponha em causa acaba por quase provocar um terramoto interior, como se eu tivesse perdido a razão da minha existência. Para haver esta capacidade de descentramento e de despojamento, tem que haver por trás uma grande fé, uma grande confiança e uma vida interior que é uma vida tomada pelo Espírito de Deus.

Não é apenas uma questão de trabalhar competências emocionais, psíquicas, de relações públicas, ou seja o que for, é antes de uma fé profunda. Na raiz da sinodalidade está esta fé profunda, o conhecimento da Escritura, da tradição vida, da história da Igreja. É necessário ter verdadeiramente raízes. Quando isso acontece, depois avaliamos, interrogamos a Palavra de Deus, a Tradição, percebemos qual é o caminho que Deus está a fazer e deixamo-nos ser conduzidos, guiados, não colocando a nossa agenda, o nosso ego à frente.

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Palavras-Chave:
Sínodo  •  Sinodalidade  •  Etapa Continental  •  Frascati  •  DEC  •  Pe. Paulo Terroso
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