Arquidiocese de Braga -

31 março 2021

Vaticano: ver ou não ver (a crise climática), eis a questão!

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DACS com The Tablet

O Vaticano divulgou ontem um plano com dez pontos fundamentais para as igrejas locais lidarem com a “grande emergência” de pessoas que estão a ser forçadas a abandonar as suas casas devido às alterações climáticas. 

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O documento “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática” apela às dioceses de todo o mundo para ajudarem os deslocados, aumentarem a consciência sobre o problema e fazerem pressão junto dos governos. 

O documento fornece uma lista de recomendações sobre como exercer uma influência positiva nas decisões políticas, uma vez que descreve as políticas e programas governamentais para os deslocados como “frequentemente inadequados, míopes e influenciados por questões económicas”.

As recomendações sugerem ainda que a catequese e a pregação incluam “de forma mais directa e clara o sentido social da existência, a dimensão fraterna da espiritualidade” sobre as razões “para amar e aceitar” todos os irmãos e irmãs deslocados e que cada Conferência Episcopal estabeleça uma comissão especial para migrantes liderada por um director nacional. 

O guia diz ainda que “a migração desnecessária deve ser evitada”, exortando a Igreja a encontrar alternativas ao deslocamento, especialmente dos povos indígenas.  

“É nosso dever respeitar o direito que tem todo o ser humano de encontrar um lugar onde possa não apenas satisfazer as necessidades básicas dele e da sua família, mas também realizar-se plenamente como pessoa”, pode ler-se no documento.

A pesquisa mostra que, entre 2008 e 2018, mais de 253,7 milhões de pessoas foram deslocadas por desastres naturais, enquanto para 2060 as previsões mais optimistas dizem que 316 milhões a 411 milhões  estarão vulneráveis a tempestades e inundações costeiras.

O Papa Francisco, no prefácio, afirma que o grande e crescente número de pessoas deslocadas pelas crises climáticas está rapidamente a tornar-se "uma grande emergência” do nosso tempo.

“As «Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática» são um guia repleto de factos, interpretações políticas e propostas relevantes… mas, desde logo, sugiro que adaptemos o famoso «ser ou não ser» de Hamlet e afirmemos: «Ver ou não ver, eis a questão!» Tudo começa com a capacidade de ver de cada um, sim, a minha e a vossa”, escreveu o Papa.

Francisco alerta ainda para o facto de as notícias relacionadas com as alterações climáticas, por muito chocantes que sejam, despertarem às vezes sensações efémeras em quem as lê, sendo que a capacidade de as sentir como próximas dependerá sempre da capacidade de cada um ver o sofrimento contido em cada história. O Papa afirmou ainda que esta crise, ao contrário da pandemia de Covid-19, não surgiu de repente, nem é sequer novidade, alastrando-se agora a toda a velocidade e afectando sobretudo os mais “inocentes”.

“Ao contrário da pandemia, que nos atingiu subitamente, sem aviso, quase em toda a parte e afectando todos em simultâneo, a crise climática tem vindo a manifestar-se desde a Revolução Industrial. Durante muito tempo a sua evolução foi muito lenta, a ponto de ser praticamente imperceptível, excepto para alguns espíritos clarividentes. Mesmo agora o seu impacto não é uniforme: as alterações climáticas ocorrem em toda a parte, mas o maior efeito é sentido pelos que menos contribuíram para elas”, afirma.

Bergoglio descreve ainda a realidade destas pessoas, lembrando que muitas vezes têm de fugir das suas casas à pressa, levando consigo apenas algumas “lembranças e tesouros, fragmentos da sua cultura e património”. A esperança é de que consigam recomeçar as suas vidas num local seguro, coisa que nem sempre acontece.

“As pessoas expulsas dos seus lares pela crise climática necessitam de ser acolhidas, protegidas, promovidas e integradas. Elas querem recomeçar. Para criar um novo futuro para os seus filhos, precisam de ter condições e ser ajudadas. Acolher, proteger, promover e integrar são verbos que implicam uma acção útil. Retiremos, uma a uma, as barreiras que bloqueiam o caminho dos deslocados, o que os reprime e marginaliza, os impede de trabalhar e ir à escola, tudo o que os torna invisíveis e nega a sua dignidade”, pede.

Francisco tem feito da resposta à crise global dos refugiados uma das marcas do seu pontificado, supervisionando pessoalmente a secção de migrantes e refugiados no Dicastério da Santa Sé para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Este foi precisamente o departamento responsável por produzir este documento, que surge na sequência do texto de orientação do ano passado que se concentrou nos deslocados internos.

O documento foi apresentado ontem em conferência de imprensa do Vaticano por um painel liderado pelo cardeal Michael Czerny, que lidera o trabalho da Santa Sé com os migrantes. Entre os palestrantes do evento esteve Maria Madalena Issau, de 32 anos, que ingressou no evento remotamente a partir de um acampamento para deslocados a 60 quilómetros da cidade da Beira, em Moçambique. 

O cardeal lembrou que o mundo está agora a decidir se vai tomar medidas para proteger ou destruir o planeta, acrescentando: “Somos uma família (humana) num lar comum”.

Pode ler aqui o documento do Vaticano na íntegra.

 

Os dez pontos-chave

  1. Reconhecer a relação entre a crise climática e a deslocação
     
  2. Promover a sensibilização e a difusão
     
  3. Providenciar alternativas à deslocação
     
  4. Preparar as pessoas para a deslocação
     
  5. Fomentar a inclusão e a integração
     
  6. Exercer uma influência positiva nas decisões políticas
     
  7. Alargar o cuidado pastoral
     
  8. Cooperar num planeamento e acção estratégicos
     
  9. Promover a formação profissional em ecologia integral
     
  10. Fomentar a investigação académica