Arquidiocese de Braga -

14 abril 2021

Fugir ou morrer: a inocente migração

Fotografia DR

DACS com Avvenire

Quando fugiu pela primeira vez com a mãe, a criança sentiu que, para eles, a escolha era obrigatória: fugir para não morrer. Fugiu, trouxeram-no de volta e ele foge de novo, sempre convencido de que a escolha é só uma: fugir ou morrer.

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Estamos dentro de um carro da polícia da fronteira, no Texas, na fronteira com o México. O carro está parado. A porta esquerda da frente, a porta do motorista, está aberta, mas o motorista está sentado no seu lugar. Vê-se uma paisagem vazia, de facto estamos no deserto. No deserto materializa-se uma criança com cerca de 10 anos, com um casaco bem maior do que ele, que vem a passos lentos em direcção ao carro e pergunta: “Senhor, pode ajudar-me?”. 

A voz treme, nem é uma voz, é um soluço, o menino está apavorado, se estivesse numa cova de leões tremeria menos. Estamos nos Estados Unidos, mas o menino fala espanhol. É nicaraguense. As lágrimas lavam a sua face como se fossem chuva. É de manhã, o menino deve ter passado uma noite aterrorizante no deserto. Diz que caminhou para sair do deserto e encontrar uma estrada, porque no deserto tinha medo de ser sequestrado. Raciocínio complexo. Pensei sobre isso. No deserto, podem apanhar-te vindos pela frente, por trás, da direita ou da esquerda. Ou de cima. Na estrada não. Na estrada pode haver alguém que te salve. O menino chegou ao deserto com um grupo, depois o grupo abandonou-o, foi embora. 

 

— “O teu pai estava no grupo?” – pergunta o polícia – “ou a tua mãe?” 

— “Não” – diz a criança – “eram muitos, mas deixaram-me aqui, não sei para onde ir.” 

 

A criança associa a solidão ao sequestro, sabe que se estiver sozinho irão raptá-lo, levá-lo embora. Sabe que é uma presa, sabe que o mundo é feito de presas e predadores. Não é clara a razão pela qual o polícia o está a filmar. Não é um dever seu, o seu dever é mandar de volta aqueles que cruzaram a fronteira: foi uma directriz de Trump, virou agora uma directriz de Biden.

Do México, tentam entrar nos Estados Unidos de todas as formas. Até improvisando. Há crianças que se escondem nos autocarros de turistas dos Estados Unidos, quando param na fronteira, com a esperança de serem levados para o outro lado entre a bagagem e pneus sobressalentes. Assim que passam a fronteira, fogem e pronto. Fiz uma viagem de Los Angeles a Tijuana, sou europeu e não sabia dessas coisas. No caminho de regresso não entendia porque é que o motorista parava autocarro mal atravessava a fronteira, saía e verificava com a lanterna o porão e debaixo dos bancos, um a um. É aí que as crianças se escondem, que fogem de casa sem avisar a mãe.

A mãe não é uma cúmplice dos pequenos migrantes, a mãe gostava de ficar com os filhos, de morar com eles. Ou, talvez, de fugir com eles. Também a mãe deste pequeno nicaraguense, que se chama Wilton Obregon, tinha fugido com ele, mas a polícia dos EUA mandou-os de volta para o México e no México foram capturados por um gangue de criminosos que imediatamente entrou em contacto com o tio de Wilton, que mora em Miami, com um pedido de resgate. O tio enviou o máximo de dinheiro que conseguiu, cinco mil dólares, mas o gangue achou que só era o suficiente para libertar um refém, não dois. E assim libertou o menino.

Levaram-no para além do muro da fronteira e abandonaram-no no deserto. Deixaram-no entregue ao próprio destino, à vida, ou à morte, como se dissessem: “Esta criança já pagou, já não vale nada para nós, levem-na”. Quando fugiu pela primeira vez com a mãe, a criança sentiu que, para eles, a escolha era obrigatória: fugir para não morrer. Fugiu, trouxeram-no de volta e ele foge de novo, sempre convencido de que a escolha é só uma: fugir ou morrer.

Talvez a este ponto comece a duvidar que haja uma alternativa e pense que as duas possibilidades sejam uma só, fuga e morte são equivalentes.

Eles vêm e vão, capturados e sequestrados, libertados e de novo em fuga. Não conhecemos todo esse emaranhado de vida e morte, de encontros com sequestradores e polícias, e resumimos todo o fenómeno com uma única palavra inocente: migração.

 

Artigo de Ferdinando Camon, publicado a 13 de Abril de 2021 no Avvenire.