Arquidiocese de Braga -

16 março 2022

No Seminário Ortodoxo Russo em França, a perturbação partilhada entre Russos e Ucranianos

Fotografia DR

DACS com La Croix

Em Épinay-sous-Sénart, o Seminário Ortodoxo Russo acolhe cerca de vinte seminaristas, a maioria russos e ucranianos. Desde o início da ofensiva, os seminaristas dos dois países mostraram uma profunda unidade e partilharam a sua tristeza e consternação.

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No frescor húmido desta manhã de Domingo, figuras de batina preta saem do edifício, avançam com passos curtos e apressados ​​em direcção à capela, sobem rapidamente os três degraus e desaparecem atrás da pesada porta de madeira.

A liturgia do Primeiro Domingo da Quaresma começa na Capela do Seminário Ortodoxo Russo na França em Épinay-sous-Sénart (Essonne). Os seminaristas formaram um coro do lado direito. Entre essas sombras negras longas e indistintas, cujas vozes se erguem e se unem para cantar os salmos, há jovens russos e ucranianos.

“O Seminário Ortodoxo Sainte-Geneviève em Épinay-sous-Sénart, onde russos e ucranianos vivem em harmonia há mais de uma década, não tem outro lado nesta guerra senão o das suas vítimas inocentes”, escreveu o reitor do Seminário, Alexander Siniakov, em comunicado datado de 9 de Março.

“Cremos exclusivamente na Igreja una, santa, católica e apostólica, e por isso professamos não acreditar em nenhum império humano, bem como rejeitar qualquer forma de imperialismo”, continua o documento, que também condena o nacionalismo como “idolatria”.

Alexander Siniakov diz que reconhece “a existência de nações apenas pela paz e segurança que proporcionam aos homens”, cuja “verdadeira cidadania” é “celestial”. Por fim, pede às “autoridades da Federação Russa” que “cessem a sua sangrenta ofensiva”.

 

Ortodoxia Universal

O texto foi aprovado por unanimidade pelos seminaristas. Dependente do Patriarcado de Moscovo, o Seminário “nunca foi um lugar de confronto entre Russos e Ucranianos”, descreve François Esperet, sacerdote ortodoxo francês que ali oficia.

Com idades compreendidas entre os 20 e os 30 anos, os vinte homens que aqui vivem concluíram o seminário no seu país de origem e vêm continuar os seus estudos nas universidades francesas.

“No início da estadia, os seminaristas estão em pé de igualdade na dificuldade em aprender a língua francesa. As diferenças entre as nações não são abolidas, mas são secundárias. É o lugar de uma ortodoxia universal”, diz François Esperet.

No entanto, apesar da tristeza e confusão partilhadas, a guerra ressoa de maneira diferente entre os seminaristas, Russos ou Ucranianos. Artem tem 28 anos, é Russo. Na manhã de 24 de Fevereiro, quando eclodiu a guerra, acordou com uma mensagem de um amigo: “Fomos dormir como pessoas comuns e acordamos como agressores”. Naquele dia, na Universidade de Nanterre, onde estuda Psicologia, Artem falhou o exame de inglês, faltou às aulas e foi manifestar-se em frente à embaixada russa.

 

“A minha Igreja não pode estar em guerra”

No meio da multidão, foram-lhe perguntando: “É ucraniano?”. No início, Artem ficou assustado, depois respondeu: “Não, sou russo e sou contra esta guerra”. E as pessoas ao seu redor mostraram a sua simpatia. Artem fala com paixão, sente a responsabilidade de testemunhar. “Sou cristão e acredito em dizer sempre a verdade”, diz.

“No meu país, as pessoas não podem dizer que é uma guerra. Em França, posso dizer isto sem que a polícia me bata. É fácil. Tenho que o fazer”.

Para Artem, as declarações do Patriarca Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa Russa, que parece justificar a invasão militar em nome da unidade da Rússia e da Ucrânia, foram difíceis de ouvir. “Dediquei a minha vida à Igreja Russa, é a minha família”, diz com firmeza. Reflecte, especifica: “Não concordo com o que o patriarca diz e não me sinto obrigado a aderir à sua posição”. Reflecte novamente: “A minha Igreja não pode estar em guerra. Esta não é uma posição cristã”.

 

“Superar isto juntos”

Com os seminaristas Ucranianos, Artem aborda o assunto livremente, mas todos concordam no mesmo ponto de partida: condenar a ofensiva. “Entendemos que temos que separar a política das nossas relações pessoais”.

Poucos dias após o início da guerra, por volta da meia-noite, Artem viu luz pela porta do quarto do seu amigo ucraniano, Alexei. Os dois homens não se viam desde o início da invasão. Artem bateu à porta, entrou e pediu desculpas ao amigo.

“Não digas asneiras, não tenho nada contra ti, não precisas de te desculpar”, respondeu Alexei. O Ucraniano e o Russo conversaram longamente. “Era necessário abraçar-nos e dizer que tínhamos que superar isto juntos”, diz hoje Artem.

Alexei acha difícil falar sobre isto. Todas as manhãs, quando se levanta, este seminarista Ucraniano de 32 anos envia “centenas de mensagens” a todos os seus parentes na Ucrânia. À sua mãe, que ficou em Kharkiv, que perdeu a sua casa e não quer fugir, deixando a avó sozinha; à sua família paterna, que vive perto de Kiev e que foi bombardeada.

“Os meus parentes ficaram como ciganos, sem lar”, resume, com um sorriso sombrio. Quando os seus amigos franceses para saberem dele, Alexei espera muito antes de responder. Não sabe o que lhes dizer.

Desde o início da guerra, o seu mundo entrou em colapso. “Fui criado com a ideia de que os dois povos eram irmãos, que tínhamos a mesma fé, adoro literatura Russa e Ucraniana, para mim é inseparável”, sussurra, incrédulo.

Quando Alexei fala, as suas frases colidem, parecem descer das montanhas, param abruptamente. O seu rosto mostra um olhar de dor. Ele tenta entender, não entende. “Como podemos explicar hoje que a Ortodoxia é boa? Que ainda somos irmãos?”.

 

“Um caos completo”

Alexei não espera mais nada de Kirill: “Ele não existe”.

Durante os primeiros dias da guerra, esperou pelas suas declarações. Mas quando ouviu os seus primeiros discursos, viu que o seu patriarca não condenava a ofensiva e resignou-se. “É bom. Já compreendi”.

No entanto, não se opõe a que o nome de Kirill seja comemorado durante a liturgia: “Oramos primeiro para que ele guie a Igreja. Não é por isso que concordamos com ele”.

Alexei seria ordenado em breve. Será? No Patriarcado de Moscovo? Já não sabe. “Quero crer e morrer ortodoxo, mas... estou a tornar-me anti-clerical”, observa, desiludido.

“Se a fé existe, é entre as pessoas comuns e os sacerdotes”, pensa em voz alta. E continua: “Tudo em que eu acreditava, aquilo que eu queria na minha vida caiu. É um caos completo. A única coisa que resta é Cristo”.

Artigo de Marguerite de Lasa, publicado no La Croix a 16 de Março de 2022.