Arquidiocese de Braga -

3 junho 2022

Papa Francisco dá nova lição de Teologia Africana

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Membro da Comissão Teológica Internacional diz que o Papa fez uma declaração eclesiológica com os dois africanos que nomeou entre os últimos cardeais.

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O Papa Francisco criará 21 novos cardeais no fim de Agosto e dois deles serão de África. Não há nada de radical nisto, dado o desejo do Papa de ter uma representação mais universal no Colégio dos Cardeais.

Mas quando se olha para os dois africanos que o Papa seleccionou, fica claro que deu uma nova “lição de eclesiologia africana”.

Foi uma surpresa que ambos sejam da Conferência Episcopal Regional da África Ocidental.

Com efeito, um dos desafios da Igreja em África, sobretudo nas suas instâncias regionais e continentais, é assegurar sempre o equilíbrio entre os falantes de inglês, francês e português.

É uma preocupação pastoral e compreensível. Deve ter-se cuidado para não excluir ninguém. Mas, em certos cenários, a “fonética” pode tornar-se uma obsessão e dificultar o espírito da “Igreja como Família”, dando prioridade à filiação linguística em vez de adequação e eficiência pastoral.

Esta mesma observação aplica-se à região de origem: não é a “preocupação por todas as Igrejas” a marca distintiva de um apóstolo (cf. 2 Cor 11,28)?

 

D. Peter Ebere Okpaleke

Mas vamos à lição de eclesiologia africana que o Papa Francisco nos deu com o anúncio dos novos cardeais.

As pessoas que acompanham as notícias da Igreja em África ainda se lembram do que aconteceu em 2012, quando Bento XVI nomeou Peter Ebere Okpaleke para liderar uma diocese na Nigéria, mas o bispo recém-nomeado nunca conseguiu tomar posse dessa diocese.

Parte do clero local rejeitou-o por razões étnicas!

Quando o Papa Francisco sucedeu a Bento alguns meses depois, imediatamente iniciou esforços para trazer esses padres de volta à rede eclesial sem sucesso.

Então, finalmente aceitou a renúncia do bispo Okpaleke desta diocese e em 2020 nomeou-o para uma diocese recém-criada.

Agora, ao elevar Okpaleke à dignidade de cardeal, o Papa está a enviar uma forte mensagem à Igreja em África, que escolheu em 1994 definir-se como a “Igreja-Família de Deus”.

 

“Igreja-Família de Deus”

Quando posta à prova da vida real nas nossas comunidades cristãs africanas, esta decisão eclesiológica, amplamente comentada e estudada por teólogos africanos, aparece mais como uma tarefa a ser cumprida e um dom de Deus a ser aceite do que uma identidade eclesial verdadeiramente vivida.

A Igreja em África é chamada a ser a “Família de Deus”. Este é um apelo que traz consigo a exigência de uma conversão cultural radical.

Poderíamos até ousar colocar em hipótese que é precisamente por termos uma fragilidade antropológica a este nível que o Espírito Santo inspirou tal escolha eclesiológica.

É verdade que o desafio de construir a Igreja como família diz respeito a toda a Igreja universal. Mas, se proclamamos ao mundo que queremos construir uma Igreja-Família em África, isto deve ficar muito mais claro connosco.

Infelizmente, não é este o testemunho que muitas vezes damos, seja em comunidades cristãs, grupos e associações, comunidades religiosas, equipas sacerdotais, ou mesmo em torno da nomeação de bispos.

Devemos pedir constantemente ao Senhor a ajuda do Espírito Santo para superarmos a nossa Babel. Devemos pedir continuamente a graça de nos tornarmos verdadeiramente membros de uma Igreja-Família para que ela seja, por sua vez, “sacramento universal de salvação” para uma humanidade que aspira à verdadeira fraternidade (Fratelli tutti).

Também é significativo que o bispo Richard Baawobr, o segundo africano que o Papa escolheu para ser um novo cardeal, seja um filho dos Missionários da África (MAfr.).

Tradicionalmente chamados de “Padres Brancos” (por causa do seu hábito religioso branco original), estiveram entre os pioneiros que lançaram as bases para a eclesiologia da “Família de Deus” e para o diálogo islâmico-cristão tão necessário para a África de hoje.

 

O Papa Francisco e os seus esforços proféticos para a Igreja em África

Porque é que esta “lição de eclesiologia africana” do Papa Francisco é notícia?

Porque, como os seus predecessores, nomeadamente São João Paulo II (na UNESCO em 1980, em Yaoundé em 1985 e em Gorée em 1992), Francisco – desde a sua eleição para a Sé de Pedro – nunca deixou de fazer apelos directos à Igreja de África.

A primeira viagem pastoral de seu pontificado foi a Lampedusa a 8 de Julho de 2013. Foi ao encontro da juventude africana “salva das águas” do Mediterrâneo.

Esta acção profética foi dirigida a uma Igreja em África que, dois anos antes, em Ouidah (Benin), havia recebido das mãos do seu predecessor, o Papa Bento XVI, a exortação apostólica pós-sinodal Africae munus.

Por princípio, veio com a determinação de dar um novo impulso à pastoral social da África: “Igreja na África, família de Deus, levanta-te, porque te chama o Pai celeste!” (AM 15); “Levanta-te, toma a tua enxerga e anda!” (Jo 5,8) (AM 148).

Mas será que nós, Igreja-Família de Deus em África, compreendemos o significado disto?

E que impacto teológico e pastoral terá este último gesto do Papa Francisco?

Devemos fazer justiça a certas Igrejas cujos bispos, durante sua visita “ad limina” a Roma, também foram a Lampedusa ou expressaram a sua gratidão ao Papa por esta atenção a uma África constantemente ameaçada de “naufrágios”.

Alguns dos outros esforços simbólicos do Papa Francisco em direcção a África incluem a viagem apostólica à República Centro-Africana e a abertura da Porta Santa em Bangui em 29 de Novembro de 2015, antes da de Roma.

Devemos também reconhecer o compromisso pessoal do actual Papa com a reconciliação no Sudão do Sul, que visitará em Julho, imediatamente depois de ir à República Democrática do Congo, especialmente na sua região oriental.

Esperemos que os jovens teólogos permaneçam atentos a estes sinais proféticos e reflictam sobre eles para traçar novos caminhos de acção para uma pastoral mais eficaz da Igreja em África.

Não é esta a esperada conversão pastoral e teológica de África?

Artigo do Pe. Édouard Adé, publicado no La Croix International a 2 de Junho de 2022.