Arquidiocese de Braga -

7 setembro 2022

Mundo digital é um importante território de missão, diz oficial do Vaticano

Fotografia CNS / Paul Haring

DACS com Crux

Nos últimos meses, supervisionou um projecto chamado “A Igreja Escuta-te”, que recrutou 244 “influenciadores” como missionários para tentar ter o maior número possível de membros da “geração digital” a participar do Sínodo sobre a Sinodalidade.

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Um alto funcionário do Vaticano diz que o mundo digital também é um território de missão para a Igreja Católica.

O monsenhor argentino Lucio Ruiz, secretário do Dicastério para as Comunicações do Vaticano, diz que olhar para essa realidade com um olhar missionário significa que algum dia pode haver um perfil oficial “Pontifex” no Minecraft.

“Temos que ver onde as pessoas estão, como estão e ir em missão, procurando formas de o fazer”, disse ao Crux.

Sem as devidas investigações e estudos, disse, “não podemos dizer sim ou não porque lá, no mundo virtual, pode haver uma pessoa que precisa de ser resgatada, que está a sofrer. Quem é que vai ensinar o catecismo a essa pessoa? Quem vai levá-la a visitar uma igreja?”.

Nos últimos meses, supervisionou um projecto chamado “A Igreja Escuta-te”, que recrutou 244 “influenciadores” como missionários para tentar ter o maior número possível de membros da “geração digital” a participar do Sínodo sobre a Sinodalidade, um processo de escuta de dois anos lançado pelo Papa Francisco e que será concluído em Outubro de 2023.

Ruiz conversou com o Crux sobre os influenciadores do Sínodo, o seu zelo missionário digital e sobre o Minecraft, na terça-feira. O que se segue são trechos dessa conversa.

 

Como é que chegou a Roma?

Eu estava a trabalhar no CELAM, para o projecto Latin American Church Information Network, como coordenador continental, e vim apresentar à Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a América (1996) a importância para a evangelização da entrada da Igreja nos ambientes digitais, projectando na altura que seria uma realidade que o futuro nos apresentaria. Enquanto eu estava cá para isso, o cardeal Dario Castrillon Hoyos, então prefeito da Congregação para o Clero, perguntou-me se eu estaria disposto a trabalhar para o Papa. Como sou sacerdote da Igreja, disse que sim, e num mês estava a mudar-me definitivamente para Roma. Trabalhei 12 anos como oficial da Congregação para o Clero, tinha muitos projectos importantes para a formação permanente do clero através do computador: fizemos o clerus.org (hoje clerus.va) e criamos um sistema de teleconferências com circuito de 10 pontos no mundo dos teólogos que falaram, tiveram as suas conferências transcritas e enviadas por e-mail para padres de todo o mundo, e através de CDs nos países sem acesso à internet. Eventualmente, fui nomeado director do gabinete de internet, até que o Papa Francisco fez a reforma dos escritórios de comunicação do Vaticano e me tornei secretário do Dicastério para as Comunicações.

 

O mundo digital – o computador, o telefone, o tablet – é um território de missão?

Absolutamente. Porque a tecnologia pode ser entendida como um instrumento, mas a realidade que emerge da tecnologia não é um instrumento, é um lugar onde as pessoas trocam pensamentos, sentimentos, tempo, afectos, onde compram e vendem coisas, onde escrevem e partilham coisas umas com as outras. É importante diferenciar um instrumento que utilizo para fazer alguma coisa de um lugar onde as pessoas passam o tempo. Sendo um lugar onde a pessoa está, a Igreja tem que estar lá. E verificamos isso neste tempo de ouvir o Sínodo sobre a Sinodalidade. Muitas pessoas recorreram às esferas digitais para expressar o seu sofrimento, a sua solidão, as suas necessidades. Verificamos que, às vezes, onde não chegamos com presença, podemos chegar pelo digital, num processo de aproximação, de encontro. Mas para isso precisamos de ser missionários, de ir até onde as pessoas estão para abraçá-las, aproximá-las. Mas não estamos a inventar o digital. O digital é diferente do virtual, que não existe, é uma construção do sistema, como os videojogos. O digital, por outro lado, é o real, mas através de instrumentos computacionais. Eu costumava dizer aos missionários de computador que o nosso tempo, o nosso afecto, a nossa conversa e a nossa fé são reais. A única coisa que é digital é o meio pelo qual nos ligamos, mas não há nada virtual na ligação. É importante entender isto porque o digital permite-nos estar nos lugares, a partilhar com aqueles que estão longe. Há uma quantidade enorme de possibilidades que são reais, mas são digitalizadas, onde as pessoas oram, lêem o Evangelho, partilham, pedem ajuda. E pudemos ver isso com influenciadores católicos.

 

Falando sobre influenciadores católicos, os missionários digitais que fizeram parte do projeto “A Igreja Escuta-te”. Como é que chegou a esses influenciadores?

Tudo começa com o desejo de unir a nova cultura e ser, como diz o Papa Francisco, uma Igreja em saída. Apresentamos o projecto ao sínodo dizendo que se a Igreja quer ouvir toda a Igreja, não podemos esquecer que há uma parte da Igreja que não está nas nossas instituições e à qual devemos ir como missionários. Muitas dessas pessoas estão em espaços digitais. Pedimos permissão para fazer um teste com três influenciadores para vermos o que ia acontecer. E a experiência-piloto foi muito boa, embora não óptima, e com muitas lições. O que nos surpreendeu foi a forma como as pessoas se abriram à possibilidade de partilhar. Cerca de 1.500 pessoas devem ter respondido nessa primeira etapa. Os próprios influenciadores ajudaram-nos a fazer as sínteses. E o Cardeal Mario Grech, que preside ao gabinete do Sínodo, gostou muito da ideia e pediu-nos para continuarmos com ela. Entramos em contacto com as dioceses para ver se cada uma tinha identificado influenciadores católicos locais, mas não existem essas listas. Então, pedimos sugestões a esses três influenciadores, porque o continente digital é transversal. Cada um apresentou-nos a outro influenciador. E descobrimos que o momento era propício: fizemos muito pouco, abordamos três pessoas e a coisa explodiu, a ponto de agora termos 244 influenciadores católicos a ajudar no Sínodo. Todo o projecto durou menos de três meses, e os primeiros a participar no sínodo foram os próprios influenciadores, a quem contamos sobre o projecto. Se estivessem interessados, receberiam um envio missionário: encontramo-nos através do Zoom para rezar juntos e eles receberam uma bênção para irem às comunidades digitais. Foi impressionante ver tantos influenciadores em lágrimas, que estavam emocionados e não conseguiam acreditar que a Santa Sé estava a valorizar o que fazem como uma verdadeira missão.

 

Qual é o trabalho de um missionário digital do Sínodo?

Tiveram que passar por um processo sinodal, que não é simplesmente preencher um questionário, mas um processo de escuta. Tiveram que fazer duas ou três catequeses com publicações, reels ou aquilo que fosse o seu forte, explicando que a Igreja queria ouvi-los, não para mudar a doutrina, mas para entender as suas vidas e saber aquilo de que precisam para que a Igreja possa estar mais perto deles, para que se sintam incluídos. E depois dessas publicações, sim, as pessoas puderam responder ao questionário. E muitas pessoas responderam, mesmo não crentes que tinham algo a dizer à Igreja. E foi impressionante também poder entender o porquê de se terem afastado. Também ficamos surpreendidos com o facto de a igreja os questionar.

 

Não tem medo de gerar ainda mais desilusão se essas relações forem esquecidas após o Sínodo?

Este não foi um medo a posteriori, mas um que tivemos desde o minuto zero: a primeira coisa que os influenciadores nos perguntaram foi se os abandonaríamos quando tudo estivesse dito e feito. Eles querem que o Vaticano tenha um ministério digital e que a Igreja Católica abra os olhos e veja que estes influenciadores são verdadeiros missionários, jovens que amam Jesus, que amam a Igreja e que ajudam o próximo. Não fomos a um influenciador que vende batatas fritas para pedir que falasse de Jesus, mas fomos a quem já falava de Jesus. O mais pequenos dos influenciadores tem 1.000 seguidores e disse que não era grande o suficiente para participar. Mas não conheço muitos padres que todos os dias do ano, em cada Missa, tenham 1.000 pessoas a ouvir a sua homilia. As ovelhas seguem o bom pastor porque reconhecem a sua voz. As pessoas seguem esses influenciadores porque reconhecem algo neles, porque os acompanham, os ajudam nas suas vidas. Uma pessoa segue um influenciador porque gosta dessa voz.

 

Tendo sido um processo “viral” que passou de três influenciadores para quase 250, não o preocupou que esses novos influenciadores tivessem uma pregação errónea? Ou que não respeitariam os ensinamentos da Igreja em matéria de vida humana – desde a concepção até à morte natural, sem abandonar o migrante, o pobre, o indigente?

Tivemos milhões de medos, não um, mas sempre com a bandeira do Papa Francisco que diz que prefere uma Igreja ferida porque sai em missão do que uma doente porque está fechada, a proteger as suas próprias coisas. Baseamo-nos na corrente apostólica: cada influenciador era responsável por aqueles a quem apresentava o projecto. A condição era que eles acreditassem em Deus, seguissem a Igreja e amassem o Papa.

 

Conversamos sobre a diferença entre digital e virtual. Na área digital, o Monsenhor projectou o futuro trabalhando com a Internet e a ferramenta que é o computador muito antes de estarem disponíveis para as massas. No mundo virtual, como vê isso em missão? Consegue imaginar um perfil oficial do Papa no Minecraft?

Acho que é uma realidade muito nova e, para elaborar um pensamento, uma teoria sobre isso é preciso ter cuidado e fazê-lo bem. O que me orienta é ser missionário, olhar para onde as pessoas estão, como estão, e depois ir em missão, procurando maneiras de o fazer, talvez com especialistas em várias áreas. A priori, não podemos dizer sim ou não, porque lá, no mundo virtual, pode haver uma pessoa que precisa de ser resgatada, que está a sofrer. Quem vai ensinar o catecismo a essa pessoa? Quem vai levá-la a visitar uma igreja? É algo que precisa de ser estudado, mas com olhos missionários, para que possamos procurar as pessoas onde elas estão. Comecei com a tecnologia ao serviço da missão quando havia disquetes, então, depois de todo este tempo, seria fácil presumir que tenho todas as respostas a essas questões. Mas quando nos deixamos desafiar pela realidade, onde há uma pessoa que vive, que sente, que reza, que sofre, o amor missionário da Igreja começa a responder de outra forma. É a resposta da mãe Igreja, que, vendo o filho sofrer, ajuda-o. A grande resposta ao processo de escuta é “samaritanizar”. Toda a gente é um Bom Samaritano, que não disse “vou chamar meu chefe, ele vai chamar uma ambulância para si”. Foi ele quem arregaçou as mangas, o ajudou, usou o seu dinheiro. Não temos que esperar que a Igreja faça um documento para chegar aos necessitados, e isso inclui o mundo digital. Não fomos os únicos membros do Sínodo a usar ferramentas digitais: muitas paróquias preencheram formulários online. A particularidade complementar não consistia em usar ferramentas digitais, mas tentar fazê-lo com os olhos das gerações digitais, fazê-lo com a sua própria linguagem, com os seus próprios missionários.

 

Já foi lançado o processo continental do Sínodo. Haverá um “continente digital”?

Não, porque chamá-lo formalmente de continente vai gerar mais problemas do que soluções, mas podemos falar de um processo de escuta digital, e cada continente tem a possibilidade de o realizar. Vivemos num ambiente ao mesmo tempo presencial e digital, pode construir-se um relacionamento real à distância através de um meio digital. A peculiaridade do nosso processo de escuta não foi o meio, mas o facto de o termos realizado com os olhos das gerações digitais. O valor do nosso projecto-piloto foi descobrir esta realidade da Igreja que também quer ser acolhida, guiada e ajudada, porque tem a capacidade de ir a quem partilha este mundo digital e falar-lhes de Jesus, que é o único que realmente cura a existência.

Entrevista de Inés San Martín, publicada no Crux a 31 de Agosto de 2022.