Arquidiocese de Braga -
15 setembro 2022
“Mais de 3 milhões de crianças ainda vivem em áreas de conflito armado. A guerra é uma loucura”
DACS com SIR
Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo-Maior de Kiev, alerta para um desastre sem precedentes que pode fazer da Ucrânia “um deserto”.
“Segundo as estatísticas oficiais, temos mais de 3 milhões de crianças na Ucrânia que hoje ainda permanecem em áreas de conflito armado e não conseguimos evacuar. Quase 2 milhões de crianças correm o risco de viver à beira da fome. E tudo isto acontece num país, no coração da Europa, considerado o celeiro deste continente, que hoje se tornou uma terra onde milhões de pessoas correm o risco de morrer de fome. A loucura humana produz guerra e fome”.
Sviatoslav Shevchuk, Arcebispo-Maior de Kiev, falou também das crianças, primeiras vítimas do ataque armado russo em solo ucraniano, em ligação ontem à noite com o Fórum Internacional da Acção Católica (FIAC) que na véspera da Festa da Exaltação da Santa Cruz e simultaneamente à viagem do Papa Francisco ao Cazaquistão, propôs, em sintonia com as Igrejas de toda a Europa, um encontro de reflexão e oração pelo fim do conflito na Ucrânia.
Uma centena de pessoas de mais de 20 países participaram no encontro, ligados a partir de África, Ásia, América e Ásia. Líbano, Síria, Iraque, Myanmar, Sri Lanka, Bangladesh, Taiwan, Palestina e muitas partes do continente africano e americano.
“São muitos os nossos irmãos e irmãs que são vítimas da violência e da guerra”, lembrou o secretário da FIAC, Rafael Corso.
“A fragilidade das organizações internacionais e das Nações Unidas enfraquece a eficácia das acções concretas a serem tomadas para mitigar o que fazem os tiranos. Precisamos, portanto, de aperfeiçoar e reforçar as nossas instituições para ajudar a família humana a crescer na fraternidade universal. Estamos num mundo fechado e violento, mas queremos propor um caminho de esperança e de paz duradoura e real para poder dar vida a um mundo aberto, de paz para toda a humanidade”, afirmou.
O líder da Igreja Greco-Católica Ucraniana apresentou-se como um “humilde porta-voz de um povo sofredor”.
“Nunca teria imaginado ver com os meus próprios olhos a capital da minha pátria em chamas e mísseis disparados pelos russos contra a população civil. Nunca teria imaginado ver pessoas torturadas e fuziladas em valas comuns, cidades e aldeias inteiras destruídas, arrasadas. Uma terra que na história foi apelidada de celeiro da Europa tornou-se uma terra que vive uma catástrofe humanitária”, observou.
Os “números” da guerra
O arcebispo apresentou então alguns “números” para descrever o que está hoje a acontecer no seu país. De acordo com as estatísticas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, de 24 de Fevereiro a 7 de Setembro deste ano, mais de 12 milhões de pessoas cruzaram a fronteira ucraniana tornando-se “refugiadas”.
Mais de 9,8 milhões de civis entraram nos países da União Europeia. Mais de 4 milhões de ucranianos solicitaram protecção temporária na UE e mais de 7 milhões de cidadãos ucranianos foram registados (sempre nos países da UE) como refugiados.
De acordo com o ministério ucraniano para as políticas sociais, existem hoje 4,5 milhões de pessoas deslocadas internamente no país. Juntamente com esses números, quase 18 milhões de pessoas foram forçadas a deixarem as suas casas, “pessoas cuja história anterior foi cancelada pela guerra”.
Ainda de acordo com dados oficiais, mais de 130 mil edifícios foram destruídos na Ucrânia e, portanto, 3,5 milhões de pessoas estão agora sem um lugar para voltar porque as suas casas já não existem. 4,5 milhões de pessoas perderam o acesso livre a fontes de água porque os russos destruíram metodicamente as infraestruturas vitais nas cidades. Em muitas áreas onde os combates estão em curso, a água está contaminada.
Oficialmente, fala-se de mais de 5.500 civis mortos e cerca de 9.000 feridos. “Mas esse número não corresponde à realidade”, alerta o arcebispo. Só na cidade de Mariupol, mais de 200.000 civis foram mortos e agora jazem em valas comuns ou não tiveram um funeral adequado. “Por trás desses números vejo mulheres, crianças, pessoas idosas”, comenta Shevchuk.
A ameaça nuclear
Todos os dias, mísseis, foguetes, bombas e tiros de artilharia. “A Rússia continua a destruir a nossa terra, mas a maior ameaça que agora preocupa o mundo inteiro são as centrais nucleares que temos na Ucrânia”. O Arcebispo também diz que está muito preocupado, em particular com a situação da central nuclear de Zaporizhzhia, que “caiu sob a ocupação russa e representa uma grande ameaça que pode explodir a qualquer momento”.
Daí a denúncia: “O exército russo converteu esta central nuclear num depósito de armas e câmara de tortura. Muitas vezes se falou da necessidade urgente de desmilitarização dessa central, mas nada aconteceu. Aliás, a Rússia declarou que está pronta para atingir também as outras centrais nucleares na Ucrânia. Mas, se isso acontecer, a Ucrânia, uma terra conhecida pelo desastre de Chernobyl, será palco de uma catástrofe muito mais séria. Se mísseis russos destruírem essas centrais, a Ucrânia corre o risco de se tornar um deserto. Isto demonstra até onde a loucura humana pode chegar hoje”, afirmou.
“Devemos saber olhar para o rosto do homem e da mulher sofredores do nosso tempo”, diz Shevchuk, “e não ter medo de tocar as feridas, as dores, as lágrimas do povo ucraniano, sabendo que hoje no mundo há muitos países em que as pessoas sofrem com a guerra. É difícil, se não impossível, com palavras humanas expressar toda a dor e sofrimento. Hoje ressoa o grito de Jesus crucificado: meu Pai, por que me abandonaste?”. “Mas o povo ucraniano resiste, luta e reza” porque “a nossa fé é a fonte da nossa esperança. Se alguém olhar para a Ucrânia com olhos humanos, vai chorar. Mas se levantar os olhos e contemplar a Cruz, alegra-se. Porque será da Cruz que virá a nós a fonte da vida. Esta Cruz que é levantada hoje, na Ucrânia, é para nós como a raiz da árvore da vida”.
Artigo de M. Chiara Biagioni, publicado na Agência SIR a 14 de Setembro de 2022.
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