Arquidiocese de Braga -

17 outubro 2022

Jean-Claude Hollerich: "Sem o Concílio Vaticano II, a Igreja hoje seria uma pequena seita”

Fotografia DR

DACS com Vida Nueva Digital

O “Vida Nueva” conversou com o arcebispo jesuíta de Luxemburgo, presidente da COMECE e Relator Geral do Sínodo.

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O cardeal Jean-Claude Hollerich não gosta de ser chamado de “Eminência”, o tratamento usual dado aos cardeais. “Isso são coisas de Roma. Chame-me padre”, diz o jesuíta de 64 anos. É Arcebispo do Luxemburgo, Presidente da Comissão das Conferências Episcopais da Comunidade Europeia (COMECE) e Relator Geral do Sínodo sobre a Sinodalidade. Hollerich participou recentemente num simpósio realizado em Roma para marcar o 60º aniversário do início do Concílio Vaticano II.

 

Porquê este congresso?

Porque nos esquecemos de muitas coisas. Toda a sinodalidade de Francisco vem do Concílio: é um tesouro para atualizar a Igreja. Devemos aproveitar esse tesouro que não conhecemos suficientemente bem. O congresso é muito útil para relembrar e atualizar, e também para conhecer o contexto intercontinental e intercultural do Concílio e como tem sido aplicado em diferentes lugares. Houve uma altura em que parecia que a teologia já não oferecia novidades, mas pudemos ver novos esforços colaborativos que aprecio muito em vários continentes e países. São grandes contribuições de teólogos que nos deram muito o que pensar.

 

De onde vêm estas interessantes novidades?

A Igreja da América Latina está hoje mais avançada e mais popular do que na Europa, onde nos consideramos uma elite, mas onde ainda temos muito a aprender e vivemos uma descristianização. Podemos aprender muito com os esforços que estão a ser feitos na América Latina com experiências como as Comunidades Eclesiais de Base, o CELAM e o Sínodo da Amazónia. Também na Ásia há muitos avanços, com um continente de grande diversidade religiosa e social, onde a Igreja é pequena. Também aqui na Europa é, mas as pessoas ainda não perceberam. Ali a Igreja tem uma vitalidade maravilhosa. Essas visões de fora ajudam-nos muito a imaginar a Igreja na Europa.

 

Quanto falta ainda colocar em curso do Concílio?

Não sou profeta, mas se vemos que a reforma litúrgica aprovada no Concílio de Trento levou 200 anos para ser admitida na Europa, podemos pensar que estamos apenas no início. É verdade, porém, que os tempos aceleraram e que o Concílio se desenvolveu na era da modernidade e agora estamos na pós-modernidade. Se não tivéssemos aquele ponto de reforma que foi o Concílio Vaticano II, a Igreja hoje seria uma pequena seita, desconhecida da maioria das pessoas.

(…) Estou convencido de que o Concílio Vaticano II salvou a Igreja. Sem essa assembleia ter-se-ia reduzido a um grupo que realiza belos ritos, mas sobre o qual ninguém sabe nada. Hoje devemos adaptar-nos às mudanças nas estruturas mentais. As pessoas ainda estão interessadas no Evangelho e devemos redescobrir a autenticidade de ser verdadeiramente discípulos de Jesus.

 

Ainda há resistência às mudanças introduzidas no Concílio Vaticano II?

Sim, e muitas. As mais fortes vêm dos tradicionalistas, que curiosamente também são um fenómeno pós-moderno. Eles escolhem apenas um ponto de referência da história, sem olhar para o antes e para o depois. Esquecem-se de como se desenvolve o crescimento da tradição. É um pouco como o que acontece com as séries da Netflix: contam-te uma parte da história, mas é inventada, não é real. Por isso não é por acaso que os movimentos tradicionalistas atraiam jovens da França e dos Estados Unidos.

 

Também procuram uma identidade muito clara num momento histórico no qual estas parecem cada vez mais indistintas, não acha?

Sim. Os jovens verdadeiramente cristãos são uma minoria tão pequena que precisam de uma identidade. Não lhes dar uma identidade é terrível, mas devemos garantir que seja sempre uma identidade aberta e sem condenar ninguém. Ter uma identidade é bom, mas as identidades são múltiplas, o que não é fácil.

 

Até onde é que o Sínodo sobre a Sinodalidade vai levar a Igreja Católica?

A uma renovação, a dar espaço ao Espírito Santo na Igreja. Sempre houve espaço, mas nem sempre o ouvimos. O Espírito Santo não está reservado apenas para a hierarquia, mas atua na Igreja para todos. Devemos levar em conta o que dizem todos os batizados e não ficarmos sozinhos com a voz parcial do que dizem os bispos. Eles estão ao serviço do Santo Povo de Deus, pelo que devem sempre ouvir, compreender e chegar a um consenso. Recentemente tivemos um encontro em Frascati da Secretaria do Sínodo e foi maravilhoso. Em breve será publicado um documento que me deixou muito feliz por refletir o modelo da Igreja sinodal.

Entrevista de Darío Menor, publicada no Vida Nueva Digital a 17 de Outubro de 2022.