Arquidiocese de Braga -
19 outubro 2022
Igreja pressiona governo angolano para regularizar imigrantes indocumentados
DACS com Crux
Existem pelo menos 56.000 refugiados e requerentes de asilo e 200.000 imigrantes em Angola.
Existem pelo menos 56.000 refugiados e requerentes de asilo e 200.000 imigrantes em Angola. Além disso, um número desconhecido de pessoas entrou no país sem permissão ou permaneceu após a expiração dos vistos.
Sem os documentos adequados, os estrangeiros não podem abrir negócios, possuir propriedades, ser legalmente empregados ou receber tratamento médico em hospitais públicos.
“Tudo o que tenho é uma declaração, que deve ser renovada após três meses. Mas esse documento não é suficiente para abrir uma conta bancária, por exemplo”, explicou Saidou Cisse, um homem de 39 anos da Guiné.
Nascido em Conacri, capital da Guiné, Cisse mudou-se para Luanda há 16 anos. Tem agora três filhos nascidos em Angola, mas o seu estauto de estrangeiro indocumentado não mudou.
Como muitos em Luanda e em outras cidades e áreas rurais, Cisse enfrentou grandes dificuldades para conseguir emprego formal.
Segundo o sociólogo Paulo Inglês, professor da Universidade Jean Piaget em Viana, a maioria das pequenas mercearias que existem em Angola – chamadas cantinas – são geridas por estrangeiros.
“Eles têm uma grande relevância econômica, mas mesmo assim são continuamente esquecidos pelo Estado”, disse Inglês ao Crux.
Segundo a Irmã Neide Lamperti, nascida no Brasil, que trabalha com imigrantes em Angola há mais de 11 anos, os estrangeiros – principalmente do Mali, Nigéria e Eritreia – empregam 17.000 angolanos nas suas cantinas.
“Mas muitos ovêem-nos como um fardo para a sociedade. Enfrentam preconceito e negligência”, disse ao Crux.
A 5 de outubro, durante uma conferência sobre imigração promovida por organismos internacionais e vários serviços da Igreja que trabalham com estrangeiros em Angola, um responsável do Serviço de Migração e Estrangeiros disse que o governo está a trabalhar para registar e conceder um documento a todos os imigrantes e refugiados.
“Esse processo foi aprovado pelo Conselho da República, é uma decisão oficial. Mas cabe às organizações cívicas pressionar as autoridades para realmente o implementarem”, disse Inglês.
Esta medida abriria a porta para que estrangeiros obtivessem outros documentos básicos e reconstruíssem as suas vidas, mas as pessoas ainda não acreditam que a medida será realmente cumprida.
“É o caso da legislação atual. Estabelece vários elementos importantes e abrange todos os estrangeiros, mas não é eficaz”, disse Lamperti.
A maioria dos imigrantes e refugiados vem da vizinha República Democrática do Congo, onde a violência entre milícias e forças do governo causou milhares de mortes em Kasai em 2016 e 2017 e levou 35.000 congoleses a fugir para Angola.
Muitos deles já voltaram para o Congo, mas cerca de 7.000 pessoas ainda vivem em Angola.
Os outros imigrantes indocumentados vêm de outros 18 países africanos, e a maioria vive em Luanda e Viana.
“Essas são as pessoas que mais precisam. Embora muitos sejam profissionais, sem documentos não podem trabalhar e têm que aceitar qualquer tipo de trabalho para sobreviver”, disse Lamperti.
O tráfico de seres humanos é comum entre os migrantes indocumentados, envolvendo sobretudo mulheres e crianças. Muitas mulheres são forçadas à prostituição.
Grandes ondas de imigrantes chegaram a Angola entre 2002-2014, quando o país colheu os benefícios económicos da produção de petróleo.
“Mas essa fase terminou e uma crise começou. Com a economia em declínio, os imigrantes e refugiados que vieram em busca de melhores oportunidades acabaram sem dinheiro e sem documentos”, disse Inglês.
Num país onde quase metade da população vive em extrema pobreza, “a situação socioeconómica de um estrangeiro não é diferente da de um angolano”, continuou Inglês. Muitos angolanos, acrescentou, também não têm documentos, sendo obrigados a trabalhar na economia oculta.
“Mas as oportunidades que eles têm são diferentes. Os estrangeiros têm obviamente uma desvantagem em relação aos angolanos”, disse.
Outra barreira é o idioma. Um grande número de imigrantes não fala português.
“Muitos refugiados vieram quando eram muito jovens e não podiam estudar cá, então um grande número é analfabeto”, acrescentou Lamperti.
Grupos religiosos oferecem aulas de português a estrangeiros e prestam assistência jurídica. Também oferecem programas de educação profissional e empreendedorismo.
“A Igreja faz um trabalho muito importante com os imigrantes em Angola. Está no centro do debate sobre políticas públicas para eles”, disse Inglês.
Apesar da pressão das organizações da Igreja sobre o governo para implementar soluções para a crise de imigração, nenhum progresso foi feito nos últimos anos. Muitos imigrantes, observou Lamperti, pensam em mudar-se para o Brasil, Europa e Estados Unidos.
“Infelizmente, o governo não se importa com eles. Não há nenhum plano para eles”, afirmou.
Desde o início de 2022, muitos angolanos, especialmente os jovens, esperavam que as eleições gerais de agosto trouxessem mudanças políticas, depois de 47 anos com o mesmo partido – o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) – no poder nação.
Apesar das alegações de fraude, o Presidente João Lourenço foi reeleito, o que significa a manutenção do status quo.
A maioria dos estrangeiros, no entanto, nunca tinha visto o processo eleitoral como uma forma de melhorar a sua condição no país.
“Até a oposição nunca mencionou a situação dos refugiados. É como se eles não existissem”, disse Lamperti.
Para Saidou Cisse, o imigrante guineense, a potencial eleição de Adalberto Costa Júnior, o maior adversário de Lourenço, não foi motivo de comemoração.
“Não mudaria nada. Para nós, seria a mesma coisa”, disse.
Artigo de Eduardo Campos Lima, publicado a 19 de outubro de 2022.
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