Arquidiocese de Braga -

21 outubro 2022

Sínodo, Becquart e Marín: “Duas sessões para tornar a Igreja mais viva e inclusiva”

Fotografia DR

DACS com Vatican News

Os dois subsecretários da Secretaria Geral do Sínodo comentam a decisão do Papa de dividir a Assembleia em dois momentos sobre o tema da sinodalidade: “Isto ajuda no processo de diálogo e de escuta”.

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Duas sessões do Sínodo para “promover a compreensão da sinodalidade como dimensão constitutiva da Igreja” e “ajudar todos a vivê-la num caminho de irmãos e irmãs que testemunham a alegria do Evangelho”. No Ângelus de 16 de outubro, o Papa Francisco anunciou assim a “divisão” da Assembleia Sinodal em dois momentos em 2023 e 2024. Em conversa com os média vaticanos, a Irmã Nathalie Becquart e o Monsenhor Luis Marín de San Martin, os dois subsecretários da Secretaria Geral do Sínodo, comentam a decisão do Pontífice e, regressando das reuniões com os especialistas em Frascati, explicam o trabalho que levou à redação do Documento para a fase continental que será publicado “no fim do mês”, resultado da síntese das Igrejas locais. “Uma grande participação, mas ainda temos que avançar”.

 

Irmã Nathalie, Monsenhor Luis, qual o significado da escolha do Papa de dividir o Sínodo em duas sessões e que frutos esperam que traga?

Becquart: O Papa Francisco disse que a sinodalidade precisa de tempo, duas sessões ajudam no amadurecimento. O objetivo deste Sínodo é a conversão sinodal da Igreja, portanto um ano não é suficiente e talvez nem dois, mas certamente um tempo prolongado pode ser útil para “fazer mais” o processo, porque a visão deste Sínodo é verdadeiramente uma processo, não um único evento.

Marín: O Papa estendeu a Assembleia dos Bispos, não o Sínodo, porque o Sínodo já começou, já estamos a participar nele. Não é como o Sínodo sobre a família que foram dois Sínodos diferentes, mas é uma única assembleia dividida em duas. O objetivo é, em primeiro lugar, aprofundar a realidade sinodal da Igreja e depois um maior desenvolvimento do discernimento da Igreja que vem da escuta do Espírito Santo. Não devemos ter pressa e tomar decisões imediatamente, é um processo em que a voz do Espírito fala ao povo de Deus. Um momento de diálogo e partilha e de aproximação da diversidade de experiências e sensibilidades da Igreja de modo a enriquecer as próprias realidades.

 

A Secretaria Geral do Sínodo falou de uma ampla participação dos fiéis e das dioceses. Isto também influenciou a escolha do Papa?

B: Não sei, mas é verdade que, pela primeira vez na história da Igreja, temos um Sínodo para todos. E é verdade que quase todas as Conferências Episcopais fizeram uma consulta sinodal. Não realmente todas elas, mas seguramente foi dado um grande passo em frente. Devemos continuar a ouvir a diversidade do povo de Deus e desenvolver o caminhar juntos. Digamos que a Igreja ainda está a aprender a sinodalidade, estamos no início.

M: A resposta das Conferências Episcopais foi extensa: 112 respostas de 114. Assim como as Igrejas Orientais, 15 de 15, ou os Dicastérios da Cúria Romana, 17 de 23. Depois a vida consagrada, movimentos leigos e muitos outros. Houve também o Sínodo Digital, uma esplêndida iniciativa do Dicastério para a Comunicação. No entanto, se formos ao nível das paróquias, encontramos as lacunas: nem todas responderam, alguns párocos têm um pouco de medo, não sabem o que fazer. Mas, como dissemos, é um processo. A chama está lá e pode incendiar o mundo. Estou feliz com a resposta, nunca teria imaginado algo assim para algo tão novo, talvez difícil no início. Mas tudo vai adiante, devagar, devagarinho…

 

O processo sinodal começou no ano passado a partir “de baixo”. E, “a partir de baixo”, que instâncias, que solicitações surgiram? Quais é que os impressionaram pessoalmente?

B: A primeira coisa que gostaria de partilhar é que em todos os comentários da experiência sinodal relatados nas sínteses, as pessoas dizem que tiveram uma experiência de alegria. Uma experiência que desperta o desejo de continuar neste estilo de escuta e diálogo. Muitas pessoas disseram: “É a primeira vez que a Igreja me pede alguma coisa, que ouve a minha voz. A Igreja, portanto, não é apenas composta de bispos, mas por mim também, nós também fazemos parte da Igreja”. Também fiquei muito emocionada ao ver, de facto, que, apesar de muitas dificuldades, como situações políticas de violência e conflitos, alguns países participaram no processo sinodal. Temos o testemunho de consultas sinodais em lugares isolados, com línguas locais. Esta criatividade é verdadeiramente bela e é maravilhoso que, mesmo em situações difíceis de crise económica ou de guerra, digamos “o Sínodo está aqui”.

M: Das sínteses surgiu a realidade de uma Igreja, antes de tudo, viva. E também unida. Uma unidade pluriforme. É uma Igreja criativa que enfrenta uma série de desafios a serem abraçados e resolvidos. Por exemplo, o individualismo e, portanto, a necessidade de reforçar o senso de comunidade. Depois, o desafio da corresponsabilidade que significa a participação de todos os batizados. É bonito como nestas sínteses o povo de Deus participou, talvez nem todos ativamente, mas algo se moveu e todos têm o desejo de se sentir envolvidos na vida da Igreja. Uma participação que, como disse, não significa uniformidade. De facto, encontramos a variedade de carismas, a começar pelo dos leigos que têm uma vocação específica que vem do Batismo. Além disso, o desafio da evangelização é importante: tantas vezes apenas elencamos os problemas, não devemos apenas reclamar, mas levar a alegria da fé, levar ao encontro com Cristo para iluminar as sombras do mundo. E fazê-lo com a linguagem certa para que o Evangelho chegue a todos os cantos da terra.

 

Entre as expectativas dos fiéis para os resultados do processo sinodal está uma maior participação das mulheres e leigos e também o facto de a Igreja estar mais presente e em diálogo com o mundo. Que resposta dar a isto?

B: A sinodalidade é um chamamento para que a Igreja hoje seja mais inclusiva e dê mais espaço a todos. A fase de consulta fez um retrato da vida das comunidades, com luzes e sombras. A questão das mulheres, por exemplo, é muito forte em todas as partes do mundo, incluindo a dos leigos, das diversidades, das minorias, das populações que se sentiram mais marginalizadas, por exemplo, as pessoas com deficiência. É verdadeiramente o grito do povo, dos pobres e dos pequeninos. Então devemos continuar a discernir juntos sobre como ser uma Igreja mais aberta. Entendemos que o estilo da sinodalidade deve ser articulado com um estilo de estar no mundo, com espírito de diálogo e fraternidade. Precisamos de sair de uma visão parcial da Igreja. A palavra chave para sinodalidade é reciprocidade, circularidade, fraternidade.

M: A sinodalidade aponta para a autenticidade da Igreja. O processo sinodal ajuda a viver a realidade da fé que não é um espiritismo desencarnado, fechado, com uma linguagem que só nós entendemos e fala apenas dos nossos problemas, mas quer levar ao mundo a luz, a pessoa de Cristo, o experiência de Cristo. Neste desafio, todos fomos convocados. Somos um povo em movimento, dinâmico, que procura dar resposta aos problemas do mundo. A resposta é sempre Cristo, mas há diferentes maneiras de dizê-lo. Antes de falar sobre linguagem, por exemplo, para mim o digital era uma descoberta, outro “continente” onde encontramos os jovens. Reclamamos que os jovens não vêm, temos que ir aos seus lugares... Acredito também que um problema seja a mentalidade predominantemente ocidental. A Igreja é muito mais ampla, pensemos em África, Médio Oriente, Ásia. Devemos superar a mentalidade única e articular-nos em comunidades pluriformes.

 

De que modo é que o que foi dito agora foi relatado no Documento para a fase continental que está prestes a começar?

B: O Documento ecoa todas as vozes que surgiram nas sínteses sinodais. É verdadeiramente um documento de escuta, não um tratado teológico, não um catecismo, mas um mapa para continuar o caminho juntos. Este documento será enviado a todas as Igrejas locais para provocar discussões e reflexões. A etapa continental visa criar um maior diálogo entre a Igreja universal e as várias regiões do mundo, mas também entre as Igrejas locais do mesmo continente, para que todos aprendam uns com os outros e possam discernir juntos os passos a serem dados.

M: No documento deixamos falar as Igrejas locais. O Sínodo é um processo circular: ouvimos a palavra do povo de Deus e agora devolvemo-la às Igrejas locais. Os resumos enviados não vão ficar parados nas estantes, focamo-nos nas particularidades continentais que são uma riqueza para toda a Igreja. Portanto, estamos num ponto de chegada, não num ponto de partida. O que vamos publicar é um documento precioso.

 

Quando?

No fim do mês, o mais rápido possível.

Entrevista de Salvatore Cernuzio, publicado no Vatican News a 21 de outubro de 2022.