Arquidiocese de Braga -

6 julho 2023

O bispo que lavava louça

Fotografia CMAB

CMAB

Pe. João Torres, sacerdote

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Vou contar-te a história de um bispo que lava a louça no fim de jantar. É possível que não ache nada de interessante nesta história, afinal lavar louça é uma coisa tão banal. Mas é importante que saiba que existe gente que faz acreditar que o evangelho pode nascer em pequenos gestos banais. É e será sempre um desafio para qualquer cristão.

Na minha última viagem a Moçambique fiquei alojado no Paço Episcopal de Pemba. Era uma casa de todos e a aberta a todos. Tinha vida, respirava-se fraternidade e à volta da mesa eramos como irmãos à volta do "irmão mais velho". Morava lá o bispo D. Luiz Fernando Lisboa que atualmente está na Diocese de Cachoeiro de Itapemirim (Brasil).

D. Luiz fez daquela casa um lar de convivência, onde a bondade, o respeito, a ajuda mútua e a solidariedade falavam de Jesus. Quem lá ia tinha que deixar na rua, antes de entrar, a conveniência e o interesse. O importante não é o que procuramos, mas as pessoas que encontramos: ali era um lugar de encontro.

No fim de jantar, olhou para mim e disse-me: “Hoje sou eu a lavar a louça, ajudas-me?” Fiquei descalço diante daquele convite e dei comigo a pensar que aquela era a Igreja pela qual me apaixonei! Fez-me tão bem lavar louça com aquele homem de Deus que tirou o anel como quem tira o desejo de se deixar dominar pela ganância do prestígio, pela ânsia do poder e do status social e clerical, para se tornar, naquele momento, um simples servo, humilde, manso...

Faz-nos tanta falta na Igreja gente assim. Gente que vale o que vale o seu coração. Gente cuja vida vale o que vale o seu amor pelos outros. Na verdade, este amor manifesta-se nos mais pequenos gestos, na atenção aos mais pequenos detalhes, na dádiva das mais pequeninas coisas.

«As nossas igrejas, infelizmente, celebram liturgias esplêndidas, também verdadeiras, mas - quando se trata de arregaçar as mangas - falta sempre a toalha, o jarro não tem água, e a bacia não existe... Quando fui nomeado bispo, puseram-me o anel no dedo, o báculo na mão e deram-me a Bíblia: são os símbolos do bispo. Seria bom que no novo cerimonial se desse ao bispo um jarro, uma bacia e uma toalha. Para lavar os pés ao mundo...» (D. Tonino Bello)

Assumo a loucura de pensar que se cremos em Jesus e no testemunho dos Apóstolos, não podemos acreditar que o clericalismo eclesiástico, desde que se iniciou, possa testemunhar aquelas exigências de Jesus, assumindo a condição de servo, julgado louco, samaritano, crucificado e ressuscitado. Descobrir o Evangelho como fonte de vida e estímulo de crescimento não significa viver «imunizado» diante da simplicidade.

«Quem, rico ou pobre, se sente desesperado, terá um lugar especial no coração do bispo. Mas não venho para ajudar ninguém a enganar-se, a acreditar que é suficiente um pouco de generosidade e assistência social. Há misérias que gritam, diante das quais não temos o direito de permanecer indiferentes.», dizia D. Hélder Câmara, que era um exemplo de como a Igreja deve viver no mundo, empenhada na denúncia das injustiças.

O que dizer dos gestos "inoportunos" para o nosso tempo e até "escandalosos" para o episcopado de D. Tonino Bello que deixava os pobres dormirem na casa episcopal durante o inverno ou ali acolhia as famílias que eram desalojadas das suas residências. Quem tocasse à porta daquela casa, era atendido pelo bispo.

Acho que já lavei muita louça, D. Luiz”, espero que a gordura não fique presa à pele. Às vezes ela entra e nunca mais sai.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 06 de julho de 2023.


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