Arquidiocese de Braga -

1 fevereiro 2024

D. José incentiva Tribunal Eclesiástico a tratar casos com humanidade e misericórdia

Fotografia Avelino Lima

DM - Jorge Oliveira

Arcebispo de Braga pede discernimento na inauguração do Ano Judiciário 2024

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O Tribunal Eclesiástico Metropolitano Bracarense (TEMB) inaugurou, no dia 30 de janeiro, o Ano Judiciário numa sessão solene no Centro Pastoral da Arquidiocese, presidida pelo Arcebispo de Braga, D. José Cordeiro.

Na mensagem dirigida aos presentes, D. José, depois de se referir ao tema dos abusos de poder, incluindo os abusos sexuais na Igreja Católica, pediu aos membros do TEMB que tratem os casos abrangidos pelo Direito Canónico (como, por exemplo, os processos matrimoniais, a nulidade do matrimónio, etc.) com o máximo de “misericórdia, humanidade, hospitalidade e acolhimento”, para que “a justiça e a paz aconteça na serenidade na vida de cada pessoa, no sentir da Igreja na relação harmoniosa sempre da prudência, da justiça, mas sobretudo impelidos pela caridade a pela verdade”.

“Além da competência técnica,  profissionalismo e inteligência é pedido sobretudo o discernimento, e o discernimento, como dizia recentemente o Papa, faz-se com os joelhos, não tanto com a cabeça, isto é, um juiz que não reza não serve para juiz, dizia o Papa de uma maneira muito forte no que respeita ao âmbito do Direito Canónico”, referiu. 

A sessão de inauguração do Ano Judiciário de 2024 abriu com o discurso do Vigário Judicial do TEMB, o cónego Mário Martins, que expressou alegria por, pela primeira vez, terem estado presentes membros de outras entidades  civil, que prestam serviço à comunidade e à justiça.

O Vigário Judicial do Tribunal Eclesiástico Metropolitano Bracarense (TEMB) reafirmou o compromisso deste tribunal para com a “verdade” e o seu empenho em ajudar a “evitar qualquer tipo de abuso de poder, de consciência ou qualquer outro a estes associado” e a “restabelecer sempre a justiça na caridade”.

Além de juízes, defensores de vínculo, notários, advogados peritos e outros colaboradores do Tribunal Eclesiástico Metropolitano Bracarense, a sessão contou com autoridades autárquicas, académicas, civis e militares.

D. José Cordeiro falou após uma reflexão do padre António Ary, Sócio do Provincial na Cúria Provincial da Companhia de Jesus,  em que o sacerdote abordou a questão dos abusos de poder, sem esquecer os abusos sexuais na Igreja Católica, e desafiou a ir às raízes do ordenamento jurídico com um “olhar renovado” e a “redescobrir as raízes evangélicas do ordenamento eclesial de uma forma séria”.

O Arcebispo de Braga lembrou que os casos de abusos na Arquidiocese estão a ser acompanhados de modo especial pela Comissão de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, num processo que envolve a prevenção, a formação, a reparação e o acompanhamento.

“É uma excelente Comissão que comigo leva por diante esta cruz muito pesada, tanto com clérigos como com leigos, com as vítimas, mas também no acompanhamento possível dos agressores e eventuais agressores”, disse D. José, acrescentando que neste caminho “a luz do Evangelho tem que iluminar na humanidade, na misericórdia, na justiça e na paz e mesmo para lá da justiça quando se escutam as pessoas que foram vítimas dos abusos”.

Segundo o prelado, no processo de audição das vítimas não há um tempo determinado, é o tempo que for necessário para, na medida do possível, “minorar os males cometidos e ajudar a curar as feridas” da vítima.

“Às vezes construímos uma caricatura do agressor, mas o agressor é aquele que mais confiança depositou na vítima, é aquela pessoa que apareceu como modelo, como o bom, como aquele que dava garantias de ser alguém em quem se deposita toda a confiança e depois é defraudada, pelo que ainda mais difícil é depois o acompanhamento e a reparação”, observou.

Embora esta realidade seja “delicada, sofrida, humilhante e até vergonhosa”, disse o prelado, ela “existe também na Igreja e não pode ser negada”.

Assim, D. José Cordeiro, que é juiz de 1.ª instância do TEMB,  apelou ao contributo de todos no combate a “qualquer tipo de abuso” e deixou o desejo de que cada um, no âmbito das suas competências e na sua responsabilidade, seja “construtor do bem comum e promotor e defensor da dignidade humana, da justiça e da paz”.

Tribunal Eclesiástico empenhado em ajudar a evitar todo o tipo de abusos

O Vigário Judicial destacou, durante o evento, a “importância do trabalho científico, competente e sinodal” e referiu que “é na diferenciação e complementaridade das tarefas e competências” que se encontra “a necessária unidade do caminho” a percorrer no novo ano judiciário.

Lembrando que a justiça tem o seu tempo e o seu processo, o cónego Mário Martins alertou que é necessário ter consciência que a jurisprudência não se esgota numa “atividade de clarificação técnica”.

“Urge consolidarmos  a consciência da pessoa que temos diante de nós, ou seja, a consciência de que antes, durante e depois de cada caso julgado ou a julgar, há a revelação da pessoa, que reclama de nós uma atenção responsável, permanente, delicada e positiva”, defendeu.

Assim, continuou, “ao jurista interpretante compete ser humilde e atento às circunstâncias e ao bem comum dos destinatários da ação jurídica”, contrariando sempre qualquer abuso sobre o destinatário da ação jurídica. 

Referindo-se ao tema dos abusos sexuais na Igreja, o cónego Mário Martins defendeu que o tema “reclama da parte de todos uma proatividade no seu confronto enquanto processo de cura inadiável”.

No seu discurso, referiu-se ainda à nulidade do matrimónio, uma realidade “causadora de profundos dramas pessoas e familiares em tantos lares e  tantas pessoas”, revelando que há um “crescimento de processos judiciais que são pedidos ou se convertem em administrativos”. 

O cónego Mário Martins deu nota ainda da atividade do TEMB  durante 2023, destacando o Encontro que os Tribunais da Província Eclesiástica de Braga tiveram no dia 23 de maio passado, em Coimbra, com os seus bispos e moderadores, com o título “O Bispo diocesano e o Tribunal Eclesiástico no dinamismo sinodal da Igreja”.

Por fim, defendeu que a Igreja deve «aprofundar uma preparação ao matrimónio mais adequada», aproveitando o impulso da JMJ em Lisboa, que “despertou interesse em ordem à formação dos jovens, à vida de fé e ao acompanhamento em vista da escolha vocacional e, por conseguinte, do matrimónio”. 

Uma temática “importante no que diz respeito à prevenção de crises e separações, assim como ao cuidado para com a família”.

“Não podemos deixar de procurar corresponder ao que o Pontificado de Francisco nos pede a todos na atenção que devemos dar ao catecumenato matrimonial”, afirmou o cónego Mário Martins, lembrando também as palavras de D. José Cordeiro a propósito da JMJ, que, na sua Carta Pastoral “Juntos, somos Igreja sinodal e samaritana”, afirma que este encontro da juventude com o Papa foi uma “oportunidade única na vida da Igreja peregrina em Portugal, especialmente na pastoral juvenil vocacional» e «a missão de acompanhar os jovens é um serviço muito necessário”.

A sessão contou ainda com uma conferência do padre António Ary, Sócio do Provincial na Cúria Provincial da Companhia de Jesus, subordinada ao tema “O exercício do Direito versus abuso do poder no ordenamento da Igreja e do Estado”, na qual desafiou a ir às raízes do ordenamento jurídico com um “olhar renovado” e a “redescobrir as raízes evangélicas do ordenamento eclesial de uma forma séria”.

Nesse sentido, apontou três vetores de esperança no direito administrativo na Igreja: reunir as noções de pastoralidade na Igreja; redescobrir a solicitude pastoral em base de uma igual dignidade batismal; reconstruir formas de exercício de poder em base de virtudes humanas e cristãs fundantes.”

E concluiu deixando duas sugestões para se prevenir e evitar possíveis abusos de poder: “reforçar os meios existentes para o diálogo entre autoridade e destinatários” e “incutir modelos sinodais no modo de agir e exercer a autoridade e o poder na Igreja, tornando-o menos clerical e mais plural”.