Arquidiocese de Braga -

3 março 2022

Sinodalidade, autoridade e liderança efectiva

Fotografia DR

DACS com La Croix International

Empresário francês de alto nível e católico praticante diz que autoridade só será respeitada se for partilhada.

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François Asselin é o chefe de uma empresa de construção na França especializada em restauro de património. Também é presidente da Confederação das Pequenas e Médias Empresas (CPME), que reivindica 243.000 empresas associadas que empregam cerca de 4 milhões de pessoas.

Asselin também é católico praticante e está interessado no processo sinodal que o Papa Francisco lançou na Igreja. Conversou com Gilles Donada, do La Croix, sobre algumas das lições que a sua vida profissional lhe ensinou sobre autoridade e liderança eficaz e como podem ser aplicadas na Igreja.

 

La Croix: Como empregador, como interpreta as palavras “discernir”, “decisão” e “autoridade”?

François Asselin: Estas três palavras pretendem gerar acção, compromisso. Antes de agir, tenho de discernir bem, ou seja, colocar uma distância necessária. Nessa área, a Igreja tem boas ferramentas, como a orientação espiritual. Na minha profissão, isto significa consultar aqueles cuja opinião me pode esclarecer, especialmente aqueles que não pensam como eu. Essa alteridade traz uma luz que me pode levar a modificar uma decisão que eu estava a planear tomar. Preciso de me afastar do mundo por um momento para me voltar para o transcendente. Mas isso nem sempre é possível...

 

Usou a palavra “transcendência”. O que quer dizer com isso?

Acredito muito no poder do ritual, que estrutura as acções que executo durante o dia. Não há um dia em que eu não reze. Para dar um passo atrás, preciso deste diálogo íntimo com o Senhor e os Seus intercessores: a Virgem Maria e os Santos. De manhã, rezo as Laudes, leio o Evangelho e a vida do Santo do dia. À noite, depois de ter dito o acto de contrição, dou graças pelo que vivi durante o dia. Reconhecer que sou pecador ajuda-me a permanecer humilde e a evitar a tentação do orgulho, que prevalece especialmente entre aqueles que tomam decisões que terão impacto na vida das pessoas.

 

Quando é que percebeu a importância de ter em consideração uma opinião diferente da sua?

Penso, por exemplo, na organização de uma construção. Ao discutir com os membros da minha equipa, que estavam cheios de bom senso, percebi que a implementação do projecto poderia ser melhorada, e que teríamos economizado tempo e evitado alguns erros se eu os tivesse ouvido antes. Tomar uma decisão envolve necessariamente os meus funcionários ou aqueles que represento no CPME. Confronto-me com a pressão da urgência, que exige respostas rápidas enquanto assuntos complexos não exigem decisões simples... Mas, sejamos claros, o pior seria não decidir.

 

Menciona a pressão da urgência. Como é que isso se manifesta no seu trabalho?

Vamos pegar no exemplo da COVID-19. A chegada da pandemia afectou subitamente todo o nosso meio ambiente, tivemos que reagir rapidamente para evitar que os funcionários perdessem o emprego, as empresas falissem e os empresários, muitas vezes empregadores de si mesmos, não tivessem rendimentos no fim do mês. As preocupações cresciam e todos esperavam uma resposta. Era preciso tomar uma decisão rápida, clara e eficaz.

 

Como é que procedeu?

Tive que colocar duas das minhas três responsabilidades de vida em segundo plano: a minha vida familiar e o meu papel como director da empresa. Uma task-force foi formada em torno do ministro da economia, Bruno Lemaire, com quem tínhamos uma reunião diária. Todos os dias, avaliámos a situação e desenvolvemos as ferramentas que protegeriam funcionários, empresas e empresários. Através desses esforços colaborativos foram criados trabalhos parciais a prazo, empréstimos garantidos pelo Estado e o fundo de solidariedade. Eu insisti que a administração as seguisse. Podes ter as melhores ideias do mundo, mas se não forem implementadas de forma eficaz, a ansiedade, a desordem e até a raiva aumentam…

 

Como é que exerce a autoridade?

É importante especificar que a autoridade está ligada à tomada de decisão, devendo ser distinguida do autoritarismo, que é o exercício ilegítimo da autoridade. A verdadeira autoridade baseia-se na competência, no bom exemplo e na humildade. Basta dizer que raramente conseguimos reunir essas três condições, mas isso não nos impede de lutar por elas.

 

O que ameaça a autoridade?

Para a autoridade ser respeitada, tem de ser partilhada. O orgulho mina a autoridade. Se sou competente e exemplar, mas todas as minhas decisões são tomadas de cima, excluo a minha autoridade natural. A autoridade é humilde quando se manifesta através do respeito pelos outros, ouvindo-os e reconhecendo o trabalho que fazem. Muitas vezes sabemos exigir e, mais raramente, agradecer, incluindo a mim mesmo. Tomemos como exemplo uma imagem militar: um capitão manda as suas tropas atacarem. Eles mostram grande força, mas, quando voltam, o oficial não os elogia pela sua coragem; da próxima vez, será mais complicado mandá-los para a batalha...

 

Será que só o orgulho é que enfraquece a autoridade?

Não, estou a pensar na relação com o dinheiro. Em si, não é bom nem mau, tudo depende de como é ganho e de como é usado. Também estou a pensar na tentação da sedução. Isso é comum em lugares de poder. Se te rodeares de um pequeno grupo que constantemente te lisonjeia, perdes o contacto com a realidade, és tentado a funcionar apenas no modo de sedução.

 

Já teve que tomar decisões difíceis?

Sim, por exemplo, demitir um funcionário. Na manhã da reunião, que ia ser tensa, deparei -me com esta citação de Cristo: “Não julgueis, para não serdes julgados; 2pois, conforme o juízo com que julgardes, assim sereis julgados” (Mt 7, 1-2). Percebi que tinha de sair do ressentimento que estava a sentir, já que estava prestes a tomar uma decisão com consequências a longo prazo. Percebi que o ressentimento também estava sem dúvida presente neste funcionário, e que poderia até ser maior do que o meu. Vi outra forma possível de sair desta dolorosa separação. Precisei de procurar condições equilibradas para ambos os lados, evitando, tanto quanto possível, danos pessoais. É uma verdadeira luta manter uma coerência entre o que se pensa, o que se acredita e o que se faz.

 

A palavra “sínodo” significa “caminhar juntos” e “cruzar um limiar”. Essa dimensão também está presente no mundo dos negócios?

Claro. As pessoas são animais sociais. Não fomos feitos para andar sozinhos. Hoje, podemos ser tentados a enrolar-nos em nós mesmos, a transformar nossa família num casulo. Somos chamados a levar uma vida frutífera, avançando com os outros. É assim que o mundo se aguenta em conjunto. Claro, cada um de nós tem as nossas próprias qualidades e defeitos, e a nossa própria personalidade. Na linha de partida, não somos todos iguais, somos diferentes, mas se partilhamos o mesmo objectivo, podemos caminhar construtivamente, todos juntos na mesma direcção. Caminhar significa realizar acções tangíveis para incorporar aquilo em que acreditamos.

 

Entrevista de Gilles Donada, publicada no La Croix International a 26 de Fevereiro de 2022.