Arquidiocese de Braga -

7 abril 2022

A Páscoa na Etiópia vivida por um Leigo

Fotografia Pedro Nascimento, LMC

CMAB

Pedro Nascimento, Leigo Missionário Comboniano (LMC)

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Desde a minha infância que sempre vivi a Páscoa na minha aldeia. A Páscoa tornou-se não só a Festa da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, como também festa de encontro e convívio.

Quando, enquanto Leigo Missionário Comboniano (LMC), parto para a Etiópia, pelo período de dois anos, levei comigo aquilo que sou, o desejo de anunciar Jesus, mas também a minha história pessoal, a vivência da Páscoa com a família, celebrar Jesus no meio das pessoas.

Recordo-me, perfeitamente, da minha primeira Páscoa na Etiópia. Passei os primeiros tempos a aprender a língua mais falada na Etiópia, o amárico. E, enquanto estudava a língua na capital, fui celebrar a Páscoa entre o povo Gumuz, para onde iria trabalhar. Foi magnífico! Recordo-me da Via Sacra entre as casas de Quter Hulet, uma aldeia tipicamente Gumuz, bastante participada, com silêncio e oração. Recordo-me da celebração da vigília pascal, em Guilguel Beles, fora da Igreja, porque as pessoas eram muitas, com mais de 50 batismos, com muita alegria. Foram mais de três horas de celebração. Recordo-me da Páscoa, como momento de grande festa, de Jesus que vive e está no meio de nós, um momento em que se juntam pessoas das várias comunidades e todos juntos fazem festa pois Jesus está ali também. Uma festa que vai para além das celebrações litúrgicas, que continua com a matança de uma vaca e todos comem carne, bebem, conversam, festejam. Uma Páscoa em que eu, sendo estrangeiro, fui acolhido como família, me sentei à mesa de várias famílias e comi com elas. Como leigo, a missão só faz sentido se estiver no meio das pessoas, no meio das famílias, que me recordam a minha, no meio do povo para onde Deus me enviou e onde me sinto feliz e abençoado.

A minha última Páscoa na Etiópia, em 2021, foi mais sofrida. Vivíamos no meio de conflitos étnicos, de várias mortes, feridos, deslocados com fome e sem esperança, no meio de medo. Essa Páscoa foi, verdadeiramente, a de Jesus. Estar com pessoas que perderam familiares, acompanhar feridos, partilhar comida com os necessitados, ajudou-nos a mim e ao meu companheiro de missão, David Aguillera, LMC de Espanha, a viver a Páscoa de Jesus, que ressuscitou por todos nós e por isso procurámos ser testemunhas da Ressurreição, que é esperança, amor e ternura de Deus para com as pessoas. Visitámos famílias, inclusive de diferentes etnias, estivemos com os padres e irmãs com quem vivemos em missão, rezámos para que Deus acompanhasse tantos corações feridos e levasse às pessoas o perdão. Sem perdão a guerra continua! O perdão é importante para que a paz aconteça!

Viver a Páscoa em missão é viver com alegria a ressurreição de Jesus e como leigos é sermos família do povo que nos acolhe, sentir que o outro é minha família, meu irmão, minha irmã, meu pai, minha mãe.

Viver a Páscoa em missão é “fazer causa comum”, como dizia S. Daniel Comboni, o sofrimento e morte do povo com quem partilhamos a vida, e na esperança da Fé, viver e festejar com o povo a alegria, a ressurreição de Jesus. Viver a Páscoa na Etiópia foi viver fortemente, o sonho de sermos uma única humanidade, como caminhantes da mesma carne humana, como filhos desta mesma terra, que nos alberga a todos, todos irmãos. (cfr. Todos Irmãos nº 8). Vivi na minha carne, esta certeza: tal como Jesus se entregou por inteiro por nós na paixão e morte, e o Pai no-Lo deu Ressuscitado, novamente, assim nós, quando nos entregamos por inteiro, recebemos por inteiro.

Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 07 de abril de 2022.


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