Arquidiocese de Braga -

15 julho 2022

Cristina Inogés: “Devemos assumir que em Outubro de 2023 não haverá uma Igreja sinodal”

Fotografia DR

DACS com Religión Digital

Teóloga ficou conhecida pelo grande público com a sua intervenção antes do Papa Francisco na inauguração do Sínodo sobre a Sinodalidade.

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É uma das vozes mais prolíficas e fecundas na teologia de hoje em Espanha. Ficou conhecida pelo grande público com a sua intervenção antes do Papa Francisco na inauguração do Sínodo sobre a Sinodalidade. Desde então, Cristina Inogés, leiga de Zaragoza, tornou-se numa espécie de termómetro sobre o andamento deste acontecimento eclesial sem precedentes, que acaba de concluir a sua fase diocesana, deixando sobre a mesa importantes sugestões para um debate.

“Ninguém esperava que esta ampla base do Povo de Deus que é o laicado levantasse com tanta força questões como o celibato opcional ou o diaconato feminino”, disse a teóloga, que participa numa jornada de formação no Centro Vedruna de Valladolid sobre “A mulher na Igreja e na sociedade”, juntamente com Belén Breznes, Carmen Quintero, Miriam Cuenca, Cristina Pascual e ex-presidente de Madrid, Manuela Carmena.

 Nestas jornadas está o lema da revolta das mulheres na Igreja, “Até que a igualdade se faça costume”, o que Cristina Inogés assume para si, oferecendo uma visão optimista, esperançosa. O Papa trabalha por todas, acredita. “Está a ser descoberta outra forma de ser Igreja, já se pode visualizar”. No entanto, que ninguém espere resultados da noite para o dia. “Em Outubro de 2023”, quando o Papa encerrar a Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, “não teremos uma Igreja sinodal. Isto ainda vai demorar”. A Igreja, adverte, tem o seu próprio ritmo.

 

Isto significa que é necessário ter mais paciência? Em questões como o papel da mulher, onde se percebe que a Igreja está muito atrasada, é possível continuar a pedir paciência?

A primeira coisa, um ponto na linguagem que acho importante: não se trata tanto do “papel” de ninguém na Igreja, nem do papel das mulheres. O papel é algo que lhe é atribuído por alguém que acredita ter poder sobre si para lhe dizer o que pode e o que não pode fazer, onde pode estar e onde não pode. Devemos habituar-nos a falar, não do papel, mas do lugar da mulher na Igreja. O lugar é-nos dado pelo baptismo. A partir do baptismo, cada um tem o seu lugar na Igreja, e a partir daí cabe-lhe discernir a própria vocação. Que a Igreja está atrasada em relação às mulheres? É evidente. Com um atraso de séculos. E em alguns assuntos será necessário continuar à espera, mas noutros, não. Esta semana foi muito surpreendente que o próprio Francisco nomeasse três mulheres para o Dicastério para os Bispos. Isto nunca tinha acontecido. Os leigos não entraram ali, e as mulheres, muito menos. Em que vamos ter que aguardar? Por exemplo, no diaconato permanente. E nem vou falar sobre o sacerdócio! Nem nós, nem os nossos filhos veremos isso, mas devemos vê-lo… como a realidade que é a Igreja, que é muito lenta em assuntos relacionados com mulheres.

 

A mudança de nome da Secretaria Geral do Sínodo, agora apenas Sínodo (não “dos bispos”), a sua própria presença na inauguração do Sínodo... Tudo isto são sinais importantes. Vê mudanças estruturais significativas por trás, ou ainda falta tempo para que as mudanças que o Papa está a promover se estabeleçam e se consolidem?

Ninguém esperava que a Predicate Evangelium saísse em pleno Sínodo. Tem sido uma surpresa. Com a sua entrada em vigor, a 5 de Junho, as congregações, a que só os bispos podiam presidir, foram extintas e transformadas em dicastérios, a que qualquer leigo preparado pode presidir. Sem esta mudança não teria sido possível que estas mulheres entrassem no Dicastério para os Bispos. Portanto, importantes mudanças estão a acontecer nas estruturas. Mas, às vezes, não se trata tanto de mudar as estruturas, mas sim de estruturas sinodais que já temos realmente a funcionar de maneira sinodal. E temos essas estruturas no nível mais básico e imediato, na paróquia e na diocese. Por exemplo, com os conselhos de pastoral ou os conselhos económicos. Para que funcionem sinodalmente, deve haver leigos que não vão apenas ouvir as propostas do pároco ou do bispo; devem ser capazes de fazer propostas, para que, entre todos, se chegue a um consenso e se decida quais as melhores soluções para a paróquia ou para a diocese.

 

A fase diocesana do Sínodo foi concluída, deixando em aberto importantes debates. Estamos a ver isso em Espanha, mas também em França…

E na Bélgica! A síntese final segue o mesmo caminho e diz coisas muito interessantes.

 

O caso da França é impressionante: os bispos decidiram enviar duas sínteses a Roma, uma com as contribuições originais, na qual, entre outras coisas, foi solicitado um maior protagonismo para as mulheres, e outro documento em que essas propostas apareceram mais suavizadas e contextualizadas. Tomando isto como um sinal de que existem claramente duas visões diferentes, será possível conciliá-las neste processo sinodal?

A fase continental vai ajudar-nos a situar-nos numa realidade essencial: o cristianismo manifesta-se em culturas muito diferentes. Devemos assumir que a diversidade está presente na Igreja. A Igreja compreendeu, aproximadamente a partir do século II, que a unidade se dava pela uniformidade, e que a uniformidade era alcançada através da romanização do mundo. Bem, não, isso não é assim. E agora teremos que redescobrir uma forma de combinar culturas, algo que já vimos no Sínodo Pan-Amazónico. No actual sínodo, questões muito prementes estão a surgir, e o curioso não é que elas surjam em áreas mais abertas, no mundo ocidental, mas que estejam a aparecer em outras áreas, onde ninguém esperava que saíssem.

 

Por exemplo?

Por exemplo, o sacerdócio das mulheres; o celibato facultativo, que implica a recuperação dos padres casados; dar um caminho natural à presença das comunidades LGTBQIA+ na Igreja... Ninguém esperava que essa ampla base do Povo de Deus, que é o laicado, abordasse essas questões. Então, sim, é verdade que tudo isso apanhou os bispos de surpresa. Em relação à França, é uma Igreja muito sinodal, mas está ao mesmo tempo num momento de revisão de algumas dioceses, onde o retrocesso era evidente, e isso também as apanhou um bocado de surpresa…

 

Como vê esta Igreja sinodal?

Temos que caminhar rumo à integração. Numa Igreja sinodal, o consenso não se alcança escolhendo a opção A, que tem 20 votos, face à B, que tem 14. Trata-se de integrar também a opção minoritária, que seguramente tem coisas muito importantes a dizer ao resto. O jogo está em saber integrar essa forma de chegar a consensos na Igreja. No que diz respeito dos leigos, o desafio é que vivamos realmente e em profundidade a corresponsabilidade a que o baptismo nos chama; isto tem que nos tornar conscientes de tudo aquilo que temos contribuído para o Sínodo. Vai ter que que se estar em cima para ver se eles realmente se cumprem, embora tendo sempre em mente que o movimento da Igreja é lento como o de uma tartaruga, e é por isso que não teremos uma Igreja sinodal em 2023. O que não significa que não haverá passos. Claro, Francisco não pode estar a abrir mais caminhos.

 

Vozes que antes estavam à margem agora convergem com o resto. Com tensões, sim, mas o diálogo normaliza-se. Será este o novo normal na Igreja?

Sim, o diálogo está normalizado, com um “mas”. Está normalizado porque é algo que temos muito fresco com o Sínodo? Seremos capazes de normalizar o que normalizamos durante este período da fase sinodal a partir de agora, ou é algo que nos serviu apenas para reflectir e depois voltar aos hábitos de sempre? Boas intenções não são suficientes, mas acho que existem possibilidades. Nós, leigos, em particular, descobrimos duas coisas essenciais. A primeira, que em Outubro de 2023 a Igreja não será sinodal, mas que as pessoas entendem que isto levará tempo, o que significa que a opção de frustração está a desaparecer. E, ao mesmo tempo, há a consciência de que o Sínodo vai supor um antes e um depois. As coisas não vão ser as mesmas. Nós, leigos, descobrimos que temos voz e pensamento. E isto já é muito importante, porque nunca pudemos falar na Igreja. O Papa quer ouvir-nos, deu-nos a oportunidade de falarmos e descobrimos que temos boas ideias para contribuir.

 

Como vê o papel da Vida Religiosa e, especificamente, de congregações como a Vedruna, que está a insistir muito na questão das mulheres?

Em geral, a Vida Religiosa está a dar uma grande contribuição. Vi isso claramente na Assembleia Geral da CONFER, no final de Maio, onde participei juntamente com a [jesuíta] María Luisa Berzosa. A Vida Religiosa está a mover-se muito em chave sinodal. Também tive a oportunidade de participar em alguns capítulos e assembleias gerais, e vi que há congregações que estão a tornar as suas próprias estruturas muito mais sinodais, incluindo aquela integração com a Igreja diocesana, que sempre foi uma franja pendente. Estamos a começar a sair de uma espécie de estrutura submarina, onde cada um de nós estava estanque no seu compartimento, para realmente entrarmos no Sínodo da Igreja, que é um barco, para remarmos todos na mesma direcção. Nisto, a Vida Religiosa está a dar uma contribuição decisiva.

 

Entrevista de Religión Digital, publicada a 9 de Julho de 2022.