Arquidiocese de Braga -

26 julho 2022

Por que interveio novamente o Vaticano no sínodo alemão

Fotografia dpa picture alliance / Alamy

DACS com The Tablet

O receio é que a Alemanha esteja a tentar “seguir sozinha”, avançando com reformas que precisam de ser acordadas ao nível universal.

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O movimento do Vaticano para conter o caminho sinodal alemão é altamente incomum, mas reflecte a crescente preocupação de Roma sobre o que tem acontecido na Alemanha. Também mostra que já não se podem conter as tensões internas que as reformas sinodais desencadearam.

O caminho sinodal alemão está a avançar com discussões sobre os temas quentes na Igreja, incluindo o uso do poder, o ministério das mulheres, o papel do padre e a moral sexual. Em cada uma dessas áreas, o caminho sinodal está a pressionar para grandes mudanças e, de 8 a 10 de Setembro, deve reunir-se para a sua quarta assembleia. Sem surpresa, o caminho sinodal alemão tem encontrado muita resistência.

Aqui ficam três observações sobre o último movimento do Vaticano.

Primeiro, a declaração sobre a Alemanha foi divulgada pela “Santa Sé” sem ser assinada por um departamento ou indivíduo do Vaticano. Normalmente, seria de esperar que a secretaria do Sínodo, ou os departamentos de Doutrina ou Bispos, fossem os únicos a fazer uma intervenção deste tipo, pois as discussões alemãs seriam da sua competência. Vimos isso quando o Dicastério para a Doutrina do Vaticano interveio para proibir as bênçãos de casais do mesmo sexo, um movimento amplamente interpretado como uma tentativa de impedir que a Igreja alemã seguisse esse caminho.

A última intervenção procura articular a “posição geral” do governo central da Igreja em relação ao caminho sinodal alemão e, portanto, aumenta a pressão sobre a Alemanha para mudar de rumo. A declaração anónima também pode ser resultado dos esforços de alguns em Roma para uma advertência formal ou institucional da Santa Sé ao sínodo alemão. O impulso para este tipo de intervenção ocorre apesar da carta do Papa Francisco de 2019 ao sínodo alemão, que ofereceu apoio ao processo, mas exortou-os a não seguirem sozinhos. Embora o Papa não seja citado na última declaração, ela não teria sido divulgada sem a sua aprovação.

Em segundo lugar, esta declaração sugere que Roma sente que a Alemanha não tem ouvido as preocupações expressas sobre o caminho sinodal e acredita que uma acção mais firme é necessária. O receio é que a Alemanha esteja a tentar “seguir sozinha”, avançando com reformas que precisam de ser acordadas ao nível universal.

Para Francisco, o processo sinodal precisa de ser genuinamente aberto ao movimento do Espírito Santo, que se discerne através das vozes do Povo de Deus. Os resultados não podem ser predeterminados. É expectável, portanto, que a declaração do Vaticano comece com a linha “para salvaguardar a liberdade do Povo de Deus”, algo que reflecte a preocupação do Papa de que o caminho sinodal alemão se tenha desligado das pessoas.

“O problema surge quando o caminho sinodal vem das elites intelectuais, teológicas e é muito influenciado por pressões externas. Há algumas dioceses onde o caminho sinodal está a ser desenvolvido com os fiéis, com o povo, lentamente”, disse recentemente o Papa a um grupo de editores jesuítas.

Por outras palavras, o medo é que o caminho sinodal alemão tenha sido conduzido por grupos específicos que têm uma agenda pré-planeada de reforma e possam estar a sucumbir à tentação do clericalismo leigo.

As críticas feitas ao caminho sinodal pelo Cardeal Walter Kasper também são um factor importante. O prelado alemão às vezes é descrito como o “teólogo do Papa” e esteve intimamente envolvido nos sínodos familiares, que abriram o caminho para os católicos divorciados e recasados ​​receberem a comunhão. As suas opiniões sobre o sínodo alemão terão sido levadas em consideração por Francisco.

Terceiro, a declaração do Vaticano ocorre no momento em que as conferências episcopais estão a enviar relatórios seguindo os seus processos de escuta que fazem parte do sínodo global. Os relatórios sugerem que várias igrejas locais estão a levantar algumas das questões abordadas pela igreja alemã, particularmente sobre o papel das mulheres e a maior inclusão dos leigos na tomada de decisões. O último movimento sobre a Alemanha pode ser lido como uma tentativa de traçar uma linha vermelha em torno do processo sinodal global, 15 meses antes do encontro de 2023 no Vaticano.

“Não seria lícito iniciar novas estruturas ou doutrinas oficiais nas dioceses, antes de um acordo firmado ao nível da Igreja universal, o que representaria uma ferida à comunhão eclesial e uma ameaça à unidade da Igreja”, diz o comunicado.

O perigo deste parágrafo é que pode ser lido como uma tentativa de encerrar as discussões a nível local porque, no final, Roma irá tomar todas as decisões. Isto não sugere uma atitude de diálogo entre a Santa Sé e as Igrejas locais, mas uma tomada de decisão de cima para baixo.

Há também um problema com Roma a levar longe demais a linha sinodal anti-alemã, já que o Papa abriu o sínodo global e pediu a todos que contribuíssem para o processo de consulta mais ambicioso já iniciado. O génio já está fora da garrafa.

No entanto, a última declaração do Vaticano pode fazer algo para aplacar as preocupações dos cépticos sobre o sínodo (alguns deles sacerdotes) que não querem envolver-se com o processo porque pensam que é tudo sobre “mudança de doutrina”. Francisco insistiu repetidamente que a sinodalidade é fundamentalmente um processo espiritual de ouvir e discernir a vontade do Espírito Santo. Isto significa que qualquer reforma só pode fluir desta jornada espiritual e está a desafiar aqueles que estão em extremos opostos do espectro de visões da igreja.

Tudo isto é um processo turbulento e confuso. Os organizadores sinodais alemães responderam à declaração do Vaticano repetindo que não estão à procura de “seguir um caminho alemão especial”. Os envolvidos no processo alemão sublinharam repetidamente que não têm intenção de prejudicar a unidade, apenas querem apresentar propostas que possam enriquecer toda a Igreja. Mas também houve irritação com a última missiva do Vaticano, que disseram “não ser um bom exemplo de comunicação dentro da Igreja se forem publicadas declarações que não sejam assinadas nominalmente”. Nem pode esquecer-se que o caminho sinodal alemão surgiu em resposta aos devastadores escândalos de abuso sexual e a uma tentativa de enfrentar as causas institucionais e sistémicas que levaram ao abuso e ao seu tratamento incorrecto pelas autoridades da Igreja.

Os pratos estão a voar em desacordo, e é provável que vejamos mais disto, não menos, nos próximos meses. É improvável que Francisco esteja muito preocupado. As crises apresentam oportunidades e novos caminhos para a Igreja podem ser encontrados a partir das tensões. Apertem os cintos de segurança para a viagem.

Artigo de Christopher Lamb, publicado no The Tablet a 22 de Julho de 2022.