Arquidiocese de Braga -

5 setembro 2022

A teimosa oposição ao Vaticano II “não é católica”, diz cardeal

Fotografia CNS / Vatican Media

DACS com The Tablet

O bispo emérito de Leeds tem um dos cargos mais sensíveis e exigentes no governo central da Igreja, que exige trabalho em estreita colaboração com o Papa e com os bispos do mundo na supervisão do culto Católico.

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O novo cardeal da Inglaterra diz que aqueles que “se opõem obstinadamente” às reformas litúrgicas do Concílio Vaticano II correm o risco de adoptar uma posição que já não é católica.

O cardeal Arthur Roche, prefeito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, tornou-se o terceiro cardeal inglês a ser criado pelo Papa Francisco depois de receber o seu barrete vermelho durante uma cerimónia na Basílica de São Pedro a 27 de Agosto.

Roche estava entre os 20 prelados admitidos no Colégio dos Cardeais, 16 deles com menos de 80 anos e aptos a votar num futuro conclave.

O bispo emérito de Leeds tem um dos cargos mais sensíveis e exigentes no governo central da Igreja, que exige trabalho em estreita colaboração com o Papa e com os bispos do mundo na supervisão do culto Católico.

Conselheiro de confiança de Francisco, o líder da Igreja nascido em Yorkshire foi recentemente nomeado pelo Papa como membro do Dicastério para os Bispos, um influente órgão do Vaticano que desempenha um papel crítico em ajudar o Papa a nomear bispos em todo o mundo. Quando Francisco leu os nomes do último grupo de cardeais no início do ano, o de Roche era o primeiro da lista.

Mas o cardeal de 72 anos também foi atacado durante um período em que, como prefeito da liturgia, esteve intimamente envolvido no restabelecimento das restrições às celebrações do antigo rito, a forma de culto usada pela Igreja antes das reformas ordenadas pelo Concílio Vaticano de 1962-65. As novas restrições foram recebidas com um misto de raiva e desafio por alguns católicos tradicionalistas.

De acordo com a nova constituição da Cúria Romana, o departamento da Roche está encarregado de promover a “sacra liturgia de acordo com a renovação empreendida pelo Concílio Vaticano II”. É um ponto que o cardeal fez questão de sublinhar antes da sua elevação.

“O Concílio é a mais alta legislação que existe na Igreja”, disse ao The Tablet e ao National Catholic Reporter. “Se desconsiderarmos isto, estamos a colocar-nos de lado, à margem da Igreja. Estamos a tornar-nos mais Protestantes do que Católicos”.

As reformas do culto católico decretadas pelo Vaticano II, que surgiram de um movimento litúrgico que remonta ao século XIX, incluíram uma maior ênfase na participação activa dos crentes comuns na liturgia e viram os sacramentos já não celebrados apenas em Latim, mas em línguas locais.

“Depois de duas guerras mundiais iniciadas no coração da Europa cristã, era óbvio que era preciso haver uma enorme reforma dentro da Igreja”, disse Roche em referência ao Vaticano II, que começou 17 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial.

“Essa reforma está a ocorrer, mas é um processo lento, porque há aqueles que estão a arrastar os pés em relação a isto e não apenas a arrastar os pés, mas a opor-se teimosamente ao que a Igreja de facto decretou. Isto é um assunto muito sério. No fim, as pessoas têm que se perguntar: sou realmente Católico, ou sou mais Protestante?”.

A liturgia pré-Vaticano II exige que um padre recite as orações da Missa em Latim, muitas vezes de forma inaudível, voltado ad orientem (“voltado para o leste” e de costas para o povo).

Embora uma minoria significativa seja atraída pelo seu estilo contemplativo e “sobrenatural”, as celebrações da liturgia mais antiga também se tornaram um ponto de encontro para a dissidência do pontificado de Francisco e a oposição ao Vaticano II.

Quando o Papa emitiu as suas restrições ao Rito Antigo, disse aos bispos que estava a tentar proteger a unidade da Igreja enquanto deixava a sugestão de existirem duas Igrejas diferentes com duas liturgias diferentes. Essas restrições foram seguidas de orientações do dicastério de Roche sobre como aplicá-las.

No entanto, os defensores do Rito Antigo continuam a defender a sua posição em várias plataformas de média. Dois dias antes do consistório para criar os novos cardeais, o actor estadunidense Shia LaBeouf anunciou que tinha sido recebido na Igreja Católica e disse que a sua conversão se devia em parte à antiga missa em Latim.

Fez estas observações numa entrevista com Robert Barron, bispo da Diocese de Winona-Rochester, nos Estados Unidos, que criou o movimento mediático “Word on Fire”. LaBeouf, de 36 anos, que ganhou um Bafta em 2008, disse que experimentou a liturgia latina enquanto se preparava para interpretar o Santo Padre Pio num novo filme sobre o santo Italiano. Afirmou que a missa em Latim o toca profundamente porque parece que não estão a tentar “vender-lhe um carro”.

Barron, que tem mais de três milhões de seguidores no Facebook, irá visitar Londres no próximo mês, quando discursar num evento no Parlamento, irá celebrar missa na Catedral de Westminster e irá ministrar uma palestra numa reunião de mais de mil líderes católicos. A visita, de 11 a 18 de Setembro, está a ser organizada pela Catholic Voices em colaboração com o Word on Fire.

Em resposta às observações de LaBeouf, o cardeal Roche disse que é um trabalho do sacerdote falar com as pessoas sobre as suas experiências da liturgia e que gostaria de saber “porque é que pensa isso, quais são as suas razões para dizer isso e qual é a seu experiência”. Sublinhou que a Missa deve ser celebrada com “grande dignidade” e que isso não é uma característica que pertença apenas à liturgia mais antiga.

“A Missa em Latim ainda está disponível no Missal de 1962 para quem desejar”, afirmou acrescentando que a Missa celebrada em Latim no rito de Paulo VI (pós-Vaticano II) também deveria estar mais prontamente disponível.

No início da cerimónia do Consistório na Basílica de São Pedro, Roche dirigiu-se ao Papa em nome dos novos cardeais. É tradição o cardeal que foi nomeado primeiro pelo Papa realizar esta tarefa.

“A nossa missão hoje é ajudá-lo a carregar esta cruz e não aumentar o seu peso. Com grande alegria, desejamos caminhar ao seu lado sabendo que lhe foram confiadas as chaves do Reino”, disse Roche diante de uma Basílica lotada com 180 cardeais e milhares de peregrinos que viajaram até Roma para o Consistório. “Consigo, Santo Padre, aprendemos a resistir à tentação de qualquer estreiteza de mente e coração que se reduz ao tamanho de si mesmo em vez de se expandir «na medida da plenitude de Cristo»”.

Entre os presentes na Basílica estavam várias delegações governamentais enviadas para testemunhar a ocasião. A delegação do Reino Unido incluiu John McFall, presidente da Câmara dos Lordes e católico, e Tariq Ahmad, ministro dos Negócios Estrangeiros. O cardeal Vincent Nichols de Westminster e vários bispos da Inglaterra e do País de Gales também estiveram em Roma para a cerimónia, após a qual saudaram o novo cardeal inglês na magnífica “Aula delle Benedizioni” (o Salão das Bênçãos) dentro do Palácio Apostólico do Vaticano.

A cerimónia marcou o oitavo consistório do pontificado de Francisco e mais uma vez mostrou o desejo do Papa de garantir que os homens que participarem numa futura eleição papal venham de uma ampla secção transversal da Igreja global. Ao longo dos anos, ele aumentou significativamente o número de cardeais vindos da Ásia, África e América Latina.

A 27 de Agosto, quatro bispos de países que nunca tiveram cardeais antes, incluindo a Mongólia, Paraguai, Singapura e Timor Leste, receberam barretes vermelhos. O arcebispo Anthony Poola, de Hydeberad, Índia, é o primeiro dalit (da casta chamada “intocável”) a tornar-se cardeal, e o arcebispo Leonardo Steiner, de Manaus, Brasil, é o primeiro a liderar uma diocese na floresta amazónica. Também recebeu um barrete vermelho o cardeal mais jovem do mundo, Giorgio Marengo, missionário italiano de 48 anos na Mongólia, e o bispo de San Diego, Robert McElroy, dos Estados Unidos, que partilha as prioridades pastorais de Francisco.

Elevar ao cardinalato é a coisa mais próxima que um Papa tem do planeamento da sucessão, e Francisco escolheu agora 63% dos 132 cardeais eleitores. Na sua homilia, o Papa exortou os cardeais a estarem atentos aos elementos menos públicos, mas mais pastorais do seu ministério. Lembrou-lhes que o cardeal Agostino Casaroli, o influente diplomata do Vaticano na era da Guerra Fria, fazia visitas semanais a detidos juvenis numa prisão em Roma e até brincou sobre um padre italiano que não só sabia os nomes de todos os seus paroquianos, mas também do cão das famílias.

“Um homem de zelo apostólico é impelido pelo fogo do Espírito a ocupar-se corajosamente com coisas grandes e pequenas”, disse, antes de citar a frase: “Não sofrer restrição de nada, por maior que seja, e ainda estar contido na menor das coisas, isso é divino”. Esta máxima foi composta em 1640 como forma de descrever o génio de Santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas.

O cardeal Roche é agora o sacerdote do mais alto escalão a servir na Cúria Romana nascido na Inglaterra desde que o cardeal Rafael Merry del Val serviu como Secretário de Estado da Santa Sé de 1903 a 1914. Roche disse que se sentiu “muito humilde” com a sua nomeação como cardeal e que era uma “enorme responsabilidade”, pois significava uma “missão mais ampla” de aconselhar o Papa.

Disse ainda que era um momento para a liderança da Igreja ser “mais transparente, mais aberta” e pronta para construir a comunhão. De 29 a 30 de Agosto, cardeais de todo o mundo reúnem-se no Vaticano para discutir a nova constituição do Papa sobre a Cúria Romana, que inclui uma série de reformas marcantes.

Roche disse que a nova constituição trata da “natureza da relação do Papa com os bispos do mundo e de usar a sua Cúria para ser uma ponte entre os dois”. Afirmou que isso significa “maior colaboração ao nível da conferência episcopal e do bispo individual com a Sé de Pedro”, sublinhando a natureza missionária da Igreja.

Artigo de Christopher Lamb, publicado no The Tablet a 28 de Agosto de 2022.