Arquidiocese de Braga -
6 abril 2023
God bless you!
Igreja Viva
Ana Sofia Costa e Sérgio Cabral, LBN e CMAB
No dia 6 de maio de 2017, regressávamos de Ocua para Pemba, após uma semana de colaboração com a primeira equipa Salama da Arquidiocese de Braga numa formação para mulheres líderes cristãs. Era o oitavo mês da nossa presença em Moçambique, integrados num projeto dos Leigos Boa Nova com duração de dez meses.
Após percorrermos cerca de 100 km de estrada, o manómetro da temperatura do jipe que nos fora emprestado pela paróquia Maria Auxiliadora de Pemba, um desgastado Nissan Terrano II, começou a inclinar-se para a direita, cada vez mais até ao vermelho, sinalizando um aumento de temperatura claramente impeditivo para continuarmos viagem. A boa vontade, aliada à possibilidade de receber uns meticais, por parte de alguns habitantes da pequena aldeia de Nanlia, que apareceram entusiasticamente com água para o radiador, atenuou, mas não resolveu o problema. Uns quilómetros à frente, decisivamente, não havia nada a fazer, senão encostar à berma da estrada e resignar-nos ao pagamento da quantia (normalmente elevada) pelo reboque do jipe, a uma distância de cerca de 35 km de Pemba.
Ainda estávamos a abrir o capô, quando um homem estrangeiro anglófono, de carrinha de caixa aberta, pára junto de nós. Perguntou: do you need help? E prosseguiu: I’m a mechanic. Não hesitámos em aceitar a tão preciosa ajuda, aparecida do nada, como se de um milagre se tratasse. Meteu as mãos na massa, mas ao verificar de que não dispunha das peças necessárias para o conserto do radiador, pediu que esperássemos um tempo, o tempo de ir buscá-las, não sabemos onde. Depois de cerca de 45 minutos, ei-lo novamente para dar cumprimento à sua promessa. Vimo-lo a desmontar tubagens, a desentupir mangueiras com a boca, a substituir abraçadeiras, a colocar o líquido de refrigeração no radiador, entre outras tarefas que lhe sujaram sobejamente as mãos e a t-shirt clara que trazia vestida.
Homem de poucas palavras, não nos disse quem era, onde morava, ou para que empresa trabalhava. Perante a nossa insistência para o pagamento do serviço, ele retribuía sempre com a expressão God bless you! Depois, não desapareceu. Assegurou o nosso regresso, vindo à nossa frente até Muxara, à entrada da cidade. Depois, sim, desapareceu.
Este episódio impactou-nos pela magnitude do gesto como se tivéssemos feito parte de uma nova versão da parábola do Bom Samaritano. Não se tratou de uma aparição divina, mas da presença de alguém como nós, um simples trabalhador, habitado por Deus. De facto, como poderíamos pagar em dinheiro um serviço de tão pura gratuidade? A bondade, a generosidade e o amor não têm preço, não são comercializáveis. Ao sermos tocados por estas expressões, somos atirados para outra lógica – a do perder para se ganhar (Mt 16,25), a do dar para se receber (Oração de São Francisco de Assis) - e regressamos à consciência da nossa dignidade de filhos de Deus.
Na berma daquela estrada, fomos abençoados, mas também fomos enviados por Deus a fazer o mesmo, mais uma vez. Há sinais que nos recolocam no caminho e aclaram o horizonte. É necessário continuar viagem com os sentidos e os braços bem abertos para que através de nós, seja cultivada no mundo a Graça de Deus.
God bless you!
Artigo publicado no Suplemento Igreja Viva de 06 de abril de 2023.
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Igreja Viva 6 de abril de 2023.pdf
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