Arquidiocese de Braga -

15 setembro 2022

Processo sinodal cultiva um sentido de espiritualidade e admiração

Fotografia CNS/Paul Haring

DACS com NCR

"Não fomos para a Galileia ou, como indicou o Papa, fomos para as nossas próprias Galileias".

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À medida que vamos lendo os relatórios sobre o processo sinodal, como o fascinante olhar do meu colega Brian Fraga sobre os relatórios sinodais de organizações não diocesanas nos Estados Unidos, fica claro que a praticidade do carácter Americano está a brilhar. Os relatórios tendem a ir directamente às questões: uma Igreja mais inclusiva, maior envolvimento dos leigos na tomada de decisões, mais oportunidades para mulheres em cargos de liderança, etc.

Dito isto, também é claro que o processo em si é atraente para as pessoas, e é quase impossível sublinhar isto em demasia. Se os participantes estiverem excessivamente focados em alcançar um resultado específico, o processo sinodal irá falhar. Fiquei animado ao ler no relatório de Fraga que os participantes sinodais dos alunos e funcionários da minha alma mater, a Universidade Católica da América, “entenderam a sinodalidade como uma maneira de ser Igreja no mundo hoje”.

Hoje, gostaria de considerar dois aspectos deste processo sinodal “como um modo de ser Igreja no mundo de hoje” que justificam o nosso foco ao analisarmos esses relatórios: a centralidade da espiritualidade no processo e a sua relação com o Vaticano II.

A primeira é que é a parte mais importante do processo não são as conclusões a que os grupos chegam, mas a disposição com que começam. “Em Outubro de 2021, o Papa Francisco fez um convite a toda a Igreja para se reunir e ouvir o Espírito Santo em oração, partilha e discernimento em preparação para o Sínodo dos Bispos em Outubro de 2023”, escreveu o cardeal Joseph Tobin ao divulgar o relatório sinodal da Arquidiocese de Newark.

“Apesar de um sínodo ser uma reunião, o nosso Santo Padre convidou a Igreja a um processo de «sinodalidade», um modo de ser Igreja que inclui todos os baptizados numa humilde busca para entender o que o Espírito nos está a dizer hoje. Um dos objectivos da sinodalidade é encontrar maneiras de ligar o Evangelho, as boas novas de Jesus Cristo, à vida quotidiana das pessoas”.

A ideia de que ouvimos o Espírito Santo ao ouvirmo-nos uns aos outros é nova para a maioria dos americanos, mas sempre foi central para “uma forma de ser Igreja”. Nos Acto dos Apóstolos, capítulo 15, lemos sobre o Concílio de Jerusalém, o primeiro concílio na vida da Igreja: “Enviamos, pois, Judas e Silas, que vos transmitirão verbalmente as mesmas coisas. O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além destas, que são indispensáveis (…)”.

O Papa João XXIII referiu-se ao papel do Espírito Santo no seu magnífico discurso de 1962, Gaudet Mater Ecclesia, abrindo o Concílio Vaticano II: “Pode dizer-se que o céu e a terra se unem na celebração do Concílio: os santos do céu, para proteger o nosso trabalho; os fiéis da terra, continuando a rezar a Deus; e vós, fiéis às inspirações do Espírito Santo, para procurardes que o trabalho comum corresponda às esperanças e às necessidades dos vários povos”.

Devemos ser cuidadosos quando pedimos a orientação do Espírito. O Espírito irá chamar-nos a seguir Cristo, o que significa sempre carregar as nossas cruzes. A característica distintiva do ministério de Cristo nesta terra foi a sua obediência radical à vontade do seu Pai. Espero que à medida que o processo sinodal se for desenvolvendo vejamos a palavra “obediência” com mais frequência nesses relatórios.

A relação do processo sinodal com o Vaticano II aumenta cada vez mais à medida que recolhemos e comparamos os relatórios de todo o mundo. Gostaria de chamar a atenção para a homilia que o Papa Francisco proferiu na missa com os novos cardeais no mês passado, porque tocou num tema que não vi tocar tão claramente antes: a admiração.

Essa Missa, uma Missa votiva para a Igreja, contou com leituras que convidaram a um foco na admiração: o hino que abre a Carta de São Paulo aos Efésios (1, 3-14), que se maravilha com o plano de salvação de Deus, e a passagem do Evangelho de Mateus (28, 16-20) na qual o Senhor ressuscitado envia os Apóstolos.

“No hino paulino esta expressão - «em Cristo» ou «n’Ele» - é o eixo que sustenta todas as fases da história da salvação: em Cristo fomos abençoados antes da criação; n’Ele fomos chamados; n’Ele fomos redimidos; n’Ele toda criatura é reconduzida à unidade, e todos, próximos e distantes, primeiros e últimos, somos destinados, graças à obra do Espírito Santo, a louvar a glória de Deus”.

Ao descrever o Vaticano II, a primeira palavra deve ser sempre “Cristocêntrico”.

Considerando o Evangelho, o Papa disse:

“Se depois entramos no relato curto, mas denso, do Evangelho, se respondemos ao chamamento do Senhor, juntamente com os discípulos, e formos à Galileia – cada um de nós tem a sua Galileia na própria história, aquela Galileia onde sentimos o chamamento do Senhor, o olhar do Senhor que nos chamou; voltemos àquela Galileia –, se voltamos a esta Galileia, ao monte por Ele indicado, experimentamos uma nova admiração. Desta vez, não é o próprio plano de salvação que nos encanta, mas o facto – ainda mais surpreendente – de que Deus nos envolve no seu plano: é a realidade da missão dos apóstolos com Cristo ressuscitado”.

Uma Igreja missionária, evangelizadora, é certamente a segunda palavra a ser dita sobre o Vaticano II.

Uma terceira palavra – na verdade, duas palavras – para chegar ao coração do Vaticano II são “ressourcement” e “renovação”. As duas caminham juntas, de mãos dadas, a Igreja a regressar às suas fontes nas Escrituras e a Igreja primitiva como meio de se renovar para os desafios do nosso tempo. E lendo os relatos bíblicos — não apenas esses dois! – e os pais da igreja primitiva, é o sentimento de admiração que é mais impressionante. As afirmações ultrajantes que a nossa fé faz – as vidas crucificadas, toda a criação é criada em Cristo, Ele está a com sua Igreja até ao fim dos tempos, etc., – essas afirmações ainda eram frescas e ainda provocativas. Podiam matar-te!

O Papa Francisco recomendou esse sentimento de admiração aos cardeais reunidos, mas também a todos nós enquanto nos envolvemos neste processo sinodal. Afirmou:

“Irmãos, esta admiração é um caminho de salvação! Que Deus a mantenha sempre viva em nós, porque nos liberta da tentação de nos sentirmos «à altura», de nos sentirmos «eminentíssimos», de nutrir a falsa segurança de que hoje, na realidade, é diferente, não é mais como era no início, hoje a Igreja é grande, a Igreja é sólida, e nos situamos nos graus eminentes de sua hierarquia – nos chamam «eminências» –... Sim, há alguma verdade nisso, mas também há tanto engano, com que o Mentiroso de sempre tenta mundanizar os seguidores de Cristo e torná-los inofensivos. Este chamamento está sob a tentação da mundanidade que, passo a passo, priva-te das forças, priva-te da esperança, impede-te de ver o olhar de Jesus que nos chama pelo nome e nos envia. Este é o verme da mundanidade”.

A “tentação de pensar que podemos estar «à altura»” é a mais americana das tentações, não?

Afinal, o “negócio dos EUA são os negócios”. Os programas de MBA estão lotados. A nossa contribuição para a filosofia ocidental é o pragmatismo. Na era pós-conciliar, aplicamos as lentes das ciências sociais à nossa teologia e beneficiamos das intuições obtidas, mas pergunto-me se calculamos o custo, um custo medido em admiração perdida.

Estamos numa fase interessante do processo sinodal, com os grupos participantes a emitirem sínteses. Sínteses! A palavra não entusiasma. No entanto, fica claro pelos relatos que as pessoas apreciaram este processo, que não foi apenas, como os críticos o ridicularizaram, uma série de reuniões sobre reuniões, mas uma reunião eclesial sobre o que significa ser a Igreja no nosso tempo. Não fomos para a Galileia ou, como indicou o Papa, fomos para as nossas próprias Galileias. Quem pode contradizer que o Senhor convocou este processo sinodal? E isso, meus amigos, deveria ser a fonte precisamente da admiração que o Papa reconhece que irá manter este processo sinodal no qual é o Espírito de Cristo quem age como protagonista, e não os nossos pobres “eus”.

Artigo de Michael Sean Winters, publicado no National Catholic Reporter a 12 de Setembro de 2022.